Bruna Bruna,

Correspondência

10.04.13

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Albatross Press

Bruna Bruna,

Aqui arremesso meu pombo sem asa para você. Gostei do nosso primeiro troca-troca. Nossas primeiras interferências de campo. Vibrei como se fosse um gol. O primeiro encontro, mesmo que por escrito, é sempre delicado. Ainda mais com sua excelência.

Então hoje, estando eu no Shopping Leblon, aquele templo blasé, onde fui saber por que meu celular toca e não completa, piorando ainda mais o delicado ato de se comunicar, ampliei o número de megas da internet. E, no teste, vi que o Luiz Fernando já cobrava a próxima e-missiva.

Resolvi então ir atrás da Fila sem fim dos demônios descontentes, livro lindo como são os primeiros dos poetas poetas. Fui até a Travessa, aquela mega store de guloseimas ecléticas da indústria audiotêxtilvisual. Me dirigi a uma vendedora muito prestativa. Ela digitou seu nome no monitor. Havia um exemplar. Na Travessa de Ipanema também tinha um, e um dos Balés também. Falei pra ela: comprarei os dois em Ipanema amanhã. E saí.

Já fora, me arrependi. O livro ali tão perto de mim… Voltei para apanhá-lo. Achava que era fácil. Não era. Tinha muitos livros na estante de poesia. Passsei pelo Domingos Guimaraens e pelo Mariano Marovatto. Nenhum seu. Nas fileiras mais baixas, o livro não estava. Mas eu sentia pela pulsação que seu livro estava próximo. A Fila foi meu livro de cabeceira durante meses. Enigmaticamente sumiu. Um anjo o levou. Pro inferno.

Como o livro não estava nas prateleiras de baixo, subi numa escadinha para bisbilhotar lá em cima. Quando me dei conta que tocava uma música excelente. Não sei se já te disse que muitas vezes me sinto um mendigo bêbado em frente às Casas Bahia, dançando a melô da moda ou a valsa vienense. Meu corpo simplesmente abdica de todo compromisso objetivo e flutua no espaço. A música tem um poder absoluto sobre mim. Minha mãe até hoje é assim, com 94 anos. Foi então que o acidente aconteceu. Na ânsia de achar seu livro, concomitante com a frequência dançarina daquelas ondas sonoras, me desequilibrei e caí como um albatroz abatido. Um tombo vertiginoso de 150 centímetros de altura. De cabeça. Fui encaminhado para exames para ver se havia algum traumatismo craniano. Glória suprema: fui retirado do shopping de maca.

Menos mal: acharam seu livro, que agora me faz companhia na lúgubre enfermaria de ortopedia do Hospital Miguel Couto. Leio seus poemas em voz alta

RAP
paixões são urgentes
explodem hecatombes
hiroshima césio 137
você olha e de repente
POW
você pisca e de repente
POW
eu finjo que não é comigo
finjo que estou distraído
e de repente POW

e ao meu lado, um ladrão baleado, entre bandagens e tubos, aplaude e implora: a autora… a autora… Eu digo a ele: contente-se com os poemas. Ela mora num outro estado de espírito, num sítio lá longe. Talvez eu tenha tido mesmo um traumatismo. Mas foi no momento em que li seu livro e me conectei com sua figura num velho boteco de Paraty, minha muy querida, hermosa e traumatizante Bruna.

De repente, como num recurso quântico, me vejo novamente saindo da livraria e errando pelo shopping, pensando em Liberdade. Não a que me acolhe sempre que vou a São Paulo. Fico ali num hotelzinho japa mais barato que um motel da Augusta. Falo da Liberdade que só existe para quem a exerce. Que adianta ter Liberdade se não a exercemos? E uma pessoa livre pode exercê-la até dentro de uma cela. Em tudo que fazemos, temos sempre uma escolha. Podemos comer o ovo com miojo de sempre ou inventar Quitutes Improváveis (título da nova coleção outono-inverno da Confecções Walter). Os poetas sabem disso. Você sabe disso, Bruna. Rimar tré com lé é mole. Quero ver expandir o futuro no ouvido de um caracol.

Já te disse? Te admiro muito. Você que preserva um bom humor nada ingênuo nas suas tiras. Que sabe como ninguém dar uma chapuletada bem dada na cara do gosto médio. A tout à l’heure. Beijinho beijinho, cha cal.

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