Hildegard Rosenthal

Hildegard Rosenthal

Negativo

Primeira Vista

25.04.18

Primeira vista traz prosa ou poesia inédita, criada a partir de fotografias selecionadas no acervo do Instituto Moreira Salles. O autor escreve sem ter informação nenhuma sobre a imagem, contando apenas com o estímulo visual. Neste mês, Débora Ferraz foi convidada a escrever sobre uma foto de Hildegard Rosenthal, tirada em São Paulo por volta de 1940.

 

Hildegard Rosenthal

São Paulo, década de 1940 (Acervo IMS)

Por trás de mim, essa existência parca
Vinte e oito anos, um edifício inacabado, andaimes
Há a história de mais de cinco séculos, de faixas, dos anos em que não chovia.

E não chovia.

Não.
Então não veio.
As paredes descascavam. Ruínas.
Solar: três camadas de reboco, caiada, e um portão branco, aberto, balançando ao vento.

Não veio (e as orelhas que queimavam, ardiam no topo. As sombras se movem).
Entenda: não chovia,
(e enxadas se movem ao sol) pois:
Atrás de mim, e escondido, claro, à minha sombra: cinco andares 
(de terra. Enxadas de terra)
E não chovia, absolutamente, não veio a chuva. Não vinha
De terra esses prédios se construíram. 
E a construção, a máquina,
era um carinho, um alívio em seu osso de argamassa
	e era um homem: é qualquer homem, magro, cansado 
		do expediente bancário que lhe atravessa
		a cidade silente, em branco, e à pé, e que não diz
		lhe arrodeiam bichos. Todos dormem (Passa do horário)
Os carros dormem. Os vigias.  Os postes.
Não veio.

Um rio inverte, na contramão, dentro da gente.

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