Conheci o fotógrafo argentino Daniel Mordzinski em 2007. Nesse ano, ele me fotografou descalço e lendo uma revista de mulher pelada num corredor de uma livraria de Bogotá. No ano seguinte, Daniel me fotografou em Cartagena das Índias com um papagaio no ombro. E também dentro de um armário num quarto de hotel. Alguns meses depois, em Portugal, me fotografou num porto vestindo um capacete de motociclista. Não sei se em 2009 ou 2008, na cidade de Matosinhos, ele fez uma foto minha com dois escritores espanhóis: Enrique Vila-Matas e José Manuel Fajardo. Nós três estávamos de óculos escuros e sobretudo, como três detetives de filme B. Depois: em Paris, uma foto numa escada fazendo cara de existencialista. Em Madri, pulando num salão dourado da Casa America. Em Veracruz, velando com outros colegas o escritor mexicano Fabrizio Mejía Madrid – que estava vivo, claro, ou a foto não faria sentido algum.
Mordzinski chama essas fotos absurdas, de inspiração surrealista, de “fotinskis” – e não as tira somente com escritores obscuros e desprovidos de superego como eu. Ele fez Vargas Llosa escrever embaixo de um lençol, Eric Hobsbawn autografar um livro para um poodle, Luis Sepúlveda vestir luvas de boxe, Salman Rushdie apontar um cacho de uvas para a boca aberta dentro de uma banheira. Para ele, “a única maneira de tirar a pose de escritor de um escritor é colocá-lo em outra pose”.
Vejo suas fotinskis como um comentário irônico e bem-humorado sobre o que se transformou a vida do escritor: uma performance ambulante em palcos iluminados – em que leitores são muitas vezes trocados por espectadores que consomem o discurso sobre a obra, mais que a obra em si. Não há fotógrafo de escritores que tenha captado melhor o desconforto e a contradição desse processo através da sua gramática fotográfica. O escritor do século XX virou um animal em exibição cujo cativeiro são hotéis de luxo pelo mundo – o retrato disso está na obra de Mordzinski.
Através de suas fotisnkis ou num formato convencional, Daniel Mordzinski retrata escritores há 35 anos. Esbarrar com ele num desses festivais pelo mundo não é apenas reencontrar um amigo, mas um grande leitor e uma referência da literatura hispano-americana. O seu prestígio planetário, que lhe garante exposições por toda parte, a ponto de chegar a ter três simultâneas na Feira de Frankfurt, parece ainda não ter chegado ao jornalão francês Le Monde. A notícia que chega é que, num caso trágico de descaso, burrice e incompetência, o jornal destruiu o arquivo do fotógrafo.
Esperamos que, como num desses jogos de ilusão presentes numa fotinski, o arquivo reapareça por mágica. Esperamos também pelos próximos 35 anos de fotos do Daniel. Não há dúvida que o futuro da literatura passará pela sua lente.
J. P. Cuenca é escritor
A carta de Daniel Mordzinski no site do fotógrafo
Una petición a todas mis amigas y todos mis amigos, por Luis Sepúlveda
Le Monde pede desculpa ao fotógrafo Daniel Mordzinski pela destruição do seu arquivo
?Le Monde’ lamenta la destrucción de fotografías de Daniel Mordzinski