João Paulo Cuenca

Daniel Mordzinski e a pose do escritor

João Paulo Cuenca

20.03.13

Depois de mais de dez anos ocupando uma sala do Le Monde, em Paris, num acordo com o jornal espanhol El País, o fotógrafo argentino Daniel Mordzinski soube neste mês que tinham desaparecido com seu arquivo de cerca de 50 mil imagens. Apenas uma parcela pequena tinha sido digitalizada. Podem estar perdidos 27 anos de trabalho retratando escritores. Um de seus fotografados, o brasileiro J.P. Cuenca, fala das "fotos absurdas, de inspiração surrealista" de Mordzinski.

Entre o artista e a obra

João Paulo Cuenca

02.05.12

Semana passada estive em Bogotá, aquela cidade bonita e estranha a 2.600 metros de altura com sua população andina, fria e educada que pode converter-se a qualquer momento num agrupamento de caribenhos alucinados, a depender do horário e estado etílico. Fui para a Feira do Livro, mas, como sempre, o melhor episódio não se passa num auditório cheio de leitores que nunca leram o seu livro.

Em lugar nenhum

João Paulo Cuenca

05.04.12

No monastério não há não há luz. Muito menos computador. Estou usando o da loja de lembranças do Tian Tan Buda e a senhora me olha com ar de desagrado - não sei se pelo tempo ou pelo meu ar pesado. O ar pesado que eu ganho quando escrevo.

Os adivinhos sempre dizem a mesma coisa

João Paulo Cuenca

05.03.12

Pouco depois da sua nossa última troca de cartas, subi o rio Mekong do sul do Vietnã até o Camboja. Quando finalmente desci em Phnom Penh, percebi pela primeira vez que, quando você fica horas viajando em barcos de diferentes tamanhos e finalmente atraca num porto, há uma espécie de enjôo retardado. Seu pés estão firmes no chão, mas a calçada vacila, os prédios parecem fora de prumo. A tontura chega em terra firme.

Educação do olhar

João Paulo Cuenca

14.02.12

Chegar numa cidade é, antes de tudo, aprender a vê-la. É uma educação do olhar. E Hanói não é uma cidade fácil de ver: é confusa, barulhenta, escura, a arquitetura é fragmentada, as ruas são estreitas, os prédios ainda mais, e você tem a sensação de que será atropelado a qualquer momento por uma moto - o número mais comum é o de dois milhões para sete milhões de habitantes, mas eu acredito que sejam mais motos. Todo mundo parece não só ter uma moto, mas também ser a própria moto.

Macau à flor da pele

João Paulo Cuenca

06.02.12

Chico, em quantos séculos ou décadas as pessoas vão parar de conseguir diferenciar essas cópias dos prédios históricos da cidade? Até que ponto uma igreja em estilo colonial português na Ásia, como a Igreja da Sé, onde entrei e ouvi Roberto Carlos e sua cantilena religiosa pelas caixas de som, é mais autêntica do que qualquer um desses monumentos ao kitsch?

Conexão-Macau

João Paulo Cuenca

30.01.12

Imagino que você saiba um pouco de Macau, do Camões em Macau, do Camilo Pessanha em Macau, da arquitetura portuguesa em Macau, das casas de ópio em Macau e dos cassinos em Macau. Caminhar pela ex-colônia portuguesa na China de hoje é uma experiência desconcertante e simbólica. Cada esquina diz muito sobre a Europa e a China deste século em perpétua inauguração, sobre a passagem do tempo - e, claro, sobre Portugal, essa senhora austera que nos olha de cima, ainda que estejamos no topo da escada.

A primeira noite em Paris

João Paulo Cuenca

20.01.12

O Old Navy segue existindo, sim, com suas bandeirinhas na fachada, balcão sujo, telões de LCD e as pessoas mais desagradáveis e menos Saint-Germain possível. Ou pelo menos existia em março ou abril do ano passado, quando passei uma temporadinha meio trágica em Paris. Eu te contei que foi o primeiro bar que entrei na minha primeira noite na cidade, totalmente por acaso? E que o García Márquez escreveu sobre o Old Navy no seu necrológio para o Cortázar?

John Marcher ao avesso

João Paulo Cuenca

13.01.12

E o que eu fiz com esses dez anos? O que fizemos? É tempo pra burro, é nada. Acho que eu sofro de uma espécie de johnmarcherismo às avessas, Chico. Se o protagonista do Henry James passa a vida ensimesmado à espera da fera, do mistério, e acaba sem fazer porra nenhuma - nem um trato na pobre da May Bartram -, acho que eu consegui não só descobrir, mas também criar as minhas feras nos últimos anos.