John Marcher ao avesso

Correspondência

13.01.12

Tem início nest post uma boa conversa entre os escritores João Paulo Cuenca e Chico Mattoso, que nos próximos dois meses trocarão correspondência no blog. Uma vez por semana, cada um dos autores escreve uma carta.

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Querido Chico,

Cadê você?

Ontem passei a tarde em SP. Almocei num japonês novo ali na Tomás Gonzaga. Comida espetacular, que ajuda a esquecer o jeitão genérico do restaurante. Fui com Fabrício, e passamos algumas horas conversando sobre a vida – a dele cada vez mais próspera – e sobre como a nossa mesa, os quatro paulistas do apocalipse e eu, está cada vez mais difícil.

Nosso Rubem Braga virou, de facto, um fazendeiro. Nosso Otto está experimentando as alegrias e dificuldades da paternidade. Você aí em Chicago, e eu cada vez menos em SP ou no Rio, tanto em corpo quanto em espírito.

Sobre essa cidade, não dá mais – não dá mais há uns 160 anos. Agora, está ficando mais cara que SP, ou seja, mais cara que todas as outras as cidades do mundo. Mas como para o carioca, a grande musa de si mesmo que nasce com antolhos grudados na cabeça, “mundo” é um conceito rarefeito, isso pouco importa. Na minha rua, todos os restaurantes lotam todos os dias, Chico. O brasileiro faz fila para pagar os preços mais caros do mundo pela pior comida do mundo. Lá fora, todo mundo histérico, babando espuminha de chope e eu desistindo, ligando o ar condicionado e me dando o direito de estar olimpicamente de saco cheio. Eu sempre cito o Salinger nessas horas: tudo o que eu mais queria é que todo mundo voltasse pra casa.

Como foi a virada do ano aí em Chicago? Passei por umas três festas aqui no Rio numa espiral de entorpecimento, mas melhor seria dizer que elas é que passaram por mim. Entrei numas de fazer balanço da década – tentei esconder isso a todo custo, é um lugar-comum tenebroso. Começou quando percebi que a Flip faria dez anos em 2012. Há dez anos nos conhecemos, há dez anos viramos escritores publicados. Putalamerda.

E o que eu fiz com esses dez anos? O que fizemos? É tempo pra burro, é nada. Nos últimos seis, tive a sorte de passar cada vez mais tempo fora, daqui ou de qualquer lugar, numas fugas com hora marcada em que fantasio cada vez mais queimar as velas da embarcação. Lembra da gente em Paris em 2006 uivando para o amanhecer e eu dizendo que não voltava… Acho que eu sofro de uma espécie de johnmarcherismo às avessas, Chico. Se o protagonista do Henry James passa a vida ensimesmado à espera da fera, do mistério, e acaba sem fazer porra nenhuma – nem um trato na pobre da May Bartram -, acho que eu consegui não só descobrir, mas também criar as minhas feras nos últimos anos. O problema é que são muitas. E se acumulam.

Estou na metade de um romance que quero terminar até a metade de 2012. Essa pressa faz parte desse balanço. Sendo bastante otimista, devo estar na metade da vida. Não dá pra viver os próximos 10 anos como vivi os últimos.

Chico, pensar assim nas coisas é uma cagada.

Estou me repetindo. Queria te pedir, de novo, desculpas por não ter conseguido passar aí em novembro. Fiquei com os pés e os outros tentáculos presos em NY. Mas em 2012 eu vou. Não prometo, porque não sou disso, mas digo que vou. Enquanto isso, conta de Chicago. Conta dos clubes de jazz, dos novos amigos, da comida, do que você anda escrevendo nesse país onde o céu é imenso e as estradas te levam mais longe.

Saudade,

Beijo na Belle e em você,

JP

* Na imagem da home que ilustra este post: o escritor Henry James em tela de John Singer Sargent (1913)

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