Galera,
Que fim de semana épico, puta que pariu. Tive o primeiro bom sinal já no avião, quando o comandante Vargas anunciou que a saída de São Paulo estava um pouco turbulenta, mas que o restante do percurso seria tranqüilo, como de fato foi. E não é nem isso: gosto demais dos comandantes que passam as informações da cabine, e não são todos que têm esse hábito. Quando não falam, logo imagino um piloto arrogante, possivelmente um desses jovens audaciosos que não respeitam as regras, precisam provar algo etc. Prefiro saber de uma vez que está chovendo no destino, que vamos sobrevoar o aeroporto até diminuir a água, o terror de sempre. Assim já me apavoro de uma vez. O que mata é a antecipação.
Mais que isso, o Vargas dispunha de pleno mando de pista, e eu não fiquei vinte minutos preso no avião como da outra vez, enquanto o comandante tentava estacionar. A personalidade do piloto é decisiva durante o vôo, claro, e é uma das minhas primeiras preocupações numa viagem. Acho que já te contei isso, mas enfim. Na década de 90, notou-se que os aviões coreanos estavam caindo demais. Ao analisar as caixas-pretas (invenção maior que a cura da pólio), perceberam que os pilotos não conseguiam comunicar à torre quando estavam com algum problema e precisavam furar a fila de pouso. Isso acontecia principalmente nos Estados Unidos, onde os controladores de vôo são submetidos a um estresse tremendo – vi em algum lugar que é a segunda profissão mais insalubre depois de minerador -, e por isso costumam tratar os pilotos com rispidez.
Ocorria que os coreanos mal falavam inglês, e não tinham o costume, em outros países, de discutir com os controladores. O piloto chega com pouco combustível e fica rodando até chegar a vez de pousar. Vidas em jogo, um troço horrível. Até que houve algum movimento da comunidade aeroviária internacional e o caso se resolveu. Mas há inclusive toda uma hierarquia nessa ordem de pousos e decolagens. Companhias menores ou novas podem padecer longas esperas num dia mais movimentado, enquanto os vôos de aéreas locais são liberados com mais presteza. Isso acontece em quase todos os grandes aeroportos americanos.
As chagas da aviação brasileira são outras, claro, mas para mim o pior de ir ao sul é o risco de turbulência de ar claro, muito comum do Rio Grande pra baixo. É aquela turbulência que o piloto não consegue antecipar, e que promove uma perda rápida de altitude, o que por sua vez gera desconforto, pavor e morte (se a pessoa está sem cinto e bate a cabeça no teto). Procura uns vídeos de clear air turbulence no Youtube se tiver coragem. Mas enfim, há tempos não pegava dois vôos tão bons, dois pilotos que soubessem tão claramente o que estavam fazendo.
E foi massa logo ver Nesky e Mariana no saguão, e depois uma garrafa de uísque e você. Só agora em retrospecto percebi como a noite foi longa. Ainda passamos um tempão no Parangolé, um excelente bar, por sinal. Esqueci de tomar a aguardente de cardamomo que fez minha alegria no ano passado, mas aquela última canasutra anunciou de forma clara que eu deveria fazer uma pausa até o próximo destino. Também me arrependi de ter reagido com menos vigor quando as duas mulheres reclamaram que eu estava falando alto. Tudo bem que eu estava falando alto, era uma mesa grande e tal. Calhou que minha história exigia uma série de vozes, barulhos e alterações bruscas de volume e entonação para funcionar, e eu não ia comprometer a narrativa. Há jeitos e jeitos de pedir as coisas. Pelo menos o episódio terminou bem, quando Mojo e Ana Maria empreenderam campanha intensa de olhar de carranca para cima delas, que se mandaram (eu faria o mesmo).
Confesso que a chegada no Cabaret foi meio desastrosa. O Cardoso fez cara de morte ao ver o concentrado de geléia humana, aquele esmegma movediço ocupando todos os espaços do salão, a pista, os banheiros. Acho que não ficou meia-hora no recinto. Fiquei dançando um pouco com a Bruna, mas acabei no balcão travando um longo e frutífero diálogo com nosso amigo Renato Nóbile. Toda a tensão inicial se dissipou, e pude fruir com muito gosto a noite.
Bicho, mas que recepção de vocês aí, viu? Não é á toa que o centro do cosmos se deslocou até Porto Alegre. Já fui visitá-los algumas vezes, mas essa foi sem dúvida a melhor de todas. Acho que é consenso entre os amigos. Nunca tinha visto o pessoal tão bem humorado e tão disposto a embarcar no trem-bala para a ruína. Até a ida a uma churrascaria do estilo “rodízio”, que em geral suscita longos e enfadonhos debates teóricos entre vocês, foi um almoço lhano e urbano, cuja tema ? é possível amar após Auschwitz? ? pavimentou caminho para uma noite muito sensacional.
E que bela festa, aquela despedida do Elvis. Consegui conversar bastante com Alex Rod, que é uma espécie de norte moral de todos nós, e de quebra ainda conheci um pessoal que eu só tinha ouvido falar por tabela. Lendas como o Egs, que embora não tenha tocado Bon Jovi, realizou performance excelente na pista durante a discotecagem. Também rolou um Momento Dança Contemporânea ao lado de Nesky (em chamas) e Cardoso (cantando de olhos fechados), episódio que infelizmente uma câmera registrou e que agora está lá no livro das faces, para arruinar minha carreira e meus afetos.
Pena que eu tenha saído correndo no domingo, meio esbaforido. Não perdi o vôo por coisa de cinco minutos, já tinha um daqueles abutres de lista de espera rondando meu assento. Isso, aliás, é motivo de grande transtorno: se perco um vôo, fico achando que o próximo vai cair, que vão falar que eu perdi o vôo que teria salvado a minha vida etc. Se consigo chegar nos finalmentes, vem a imagem do último cretino que embarcou rumo à morte. Se desisto e pego um ônibus, que ironia: fugiu de um vôo seguro e caiu numa ravina. Nunca é fácil, pra ninguém.
Meu único arrependimento do fim de semana foi não ter jogado mais Mario Galaxy 2. Todavia, depois daquele almoço de domingo – aliás, agradeça ao teu pai por um dos melhores churrascos que já comi, no sentido afetivo da coisa, e à sua mãe pelo pudim, que baita pudim -, não havia meio. E gosto da semi-tradição de passar uma tarde de domingo bovina contigo e com o Mojo, assistindo clipes gaúchos de metal no programa Bigorna ou vendo uma partida do Grêmio, vulgo “time de azul”, ou passeando pela Redenção, com visita obrigatória ao Arco em homenagem aos três gaúchos que morreram na Segunda Guerra. Eu me sinto em casa aí.
De modo que me resta agora recolher os estilhaços do meu ser vital e tocar o trabalho e a vida. Vou passar a semana ouvindo Lobão.
Abraço,
André