Nonada

Correspondência

23.02.11

Galera,

Foi o nosso Guimarães que disse: “Travessia”?

Nem brinca. Mas é verdade, fiz uma única travessia, da Lagoa da Conceição, em Florianópolis. Fui com meu pai e meus dois tios, há onze anos. Na época, meu pai tinha decidido que ia atravessar o Canal da Mancha, uma prova de 32 quilômetros em água de geladeira. Com o tempo, a conversa foi ficando séria, planos foram sendo traçados e livros de natação começaram a aparecer aos montes na casa dele. Todo mundo se apavorou. Enquanto alguns setores da família tentavam demovê-lo da idéia pura e simplesmente, uma ala mais progressista exigiu que ele ao menos fizesse travessia antes, já que aquela também seria a primeira, e modesta, tentativa na categoria.

Mudamos os planos para o estreito de Dardanelos (dezenove quilômetros, tormenta constante), depois Ubatuba (nove quilômetros, correnteza forte e “redemoinhos”), uma coisa em Santos (seis quilômetros, esgoto, morte), até cairmos na Conceição, que tem dois quilômetros e marola. Na minha cabeça, a gente passou seis meses treinando, todos os dias, e acho que até já te contei essa história assim. É possível, inclusive, que eu tenha inflacionado esses números aqui e ali, para valorizar. Mas a minha lembrança nítida é de que foi um treinamento longo, embora prazeroso, e de que tínhamos planejado a travessia com rigor.

Fui checar uns dados sobre essa prova e achei na rede mundial de computadores uma matéria que meu pai escreveu depois da travessia. A matéria era sobre o evento em si, mas havia um box sobre a nossa participação. Separei um trecho:

“A equipe Conti, formada por quatro atletas de 19 a 47 anos, foi a Florianópolis com um único objetivo: chegar ao final da prova. Com um treinamento precário (uma hora de piscina por dia no último mês) esse era o único objetivo possível. Três dos integrantes conseguiram chegar ao fim, com tempos de 57, 50 e 46 minutos. O outro membro da equipe nadou em direção ao norte, e foi resgatado por um barco de apoio alguns quilômetros fora da rota.”

Eu e meu pai acabamos a prova, antes que você fale. Mas engraçado que tenha sido só um mês de treinos. Ainda assim, minha relação com a natação ? e com esportes em geral ? é bem diferente da sua. Nunca consegui sentir prazer fazendo exercícios, sempre foi um martírio. Tanto que não nadei mais a sério depois da travessia (meu pai e um tio entraram para a federação, mas acho que já abandonaram). Como eu fui muito gordo na adolescência, esporte para mim acarreta tortura, lágrimas e exaustão. Às vezes, no vestiário da academia, logo depois de nadar, dava aquele barato de endorfina e, oquei, é divertido, mas não é mais gostoso que um cigarro, desculpa.

Gosto de mar e de pegar jacaré, e às vezes até arrisco umas braçadas, mas sou infinitamente preguiçoso com essas coisas. Sempre dei um jeito de escapar da educação física, por exemplo. No colegial, os alunos precisavam colocar uniforme para fazer educação física. Não sei como são os uniformes aí no Uruguay do Norte, mas aqui eles eram de algodão bem mole e fininho. Um pouquinho de suor e calor e a camiseta grudava, gerando mais dois meses de virgindade extrema. Eu ainda usava óculos redondos, tente imaginar. Felizmente, sempre tive médicos camaradas que liberavam a minha barra com atestados.

Mesmo quando eu emagreci, ainda preferia comer muito menos do que o normal do que mexer um dedo para fazer exercício. Depois que eu comecei a fumar, todas as minhas incursões ao esporte foram por obrigação moral e não terminaram bem. Na última, se você lembra, decidi que ia fazer boxe (um dos poucos esportes que eu gosto de assistir). Comprei luvas, fita protetora para as mãos e passei o fim de semana anterior vendo todos os filmes do Rocky. Fui a rigorosas duas aulas, até descobrir que a) não sei pular corda, b) nunca vou aprender a pular corda e c) podia matar toda minha vontade de lutar boxe jogando Fight Night Round 4 de Playstation.

Mas eu gosto de nadar, sim. O que não suporto é o exercício por obrigação, a fadiga, superar limites, essas porras. Acho uma grande papagaiada, mas tudo bem. Entendo, admiro e respeito quem curte, de verdade, mas o esporte profissional é um mistério pra mim. Não consigo imaginar que alguém passe a vida acordando cedo e sofrendo o dia todo para chegar antes que outra pessoa numa corrida, ou marcar mais “cestas”, ou sei lá o quê. Todavia, imagino que esportistas devem sacanear quem joga boxe no videogame, então estamos quites.

Eu gostava mesmo era de mergulhar com tanque. Fiz um curso quando era moleque, mas nunca pratiquei muito, só umas cinco ou seis vezes, num máximo de vinte metros de profundidade. Megulhei naquela laje de Santos, cheia de peixes e tartarugas e tal. Aí sim: nadando mansinho, olhando a paisagem, tentando não arranhar o joelho nos corais. Em águas claras, bate uma luz linda demais. Disso eu tenho saudade até hoje, até porque não é propriamente um esporte, mas olho para o maço de cigarros da minha mesa e só consigo pensar em EMBOLIA PULMONAR. De modo que ainda vou um tempo na superfície, mas tenho planos de voltar algum dia.

Esporte bom é pingue-pongue, diz aí.

Olha só: vou para Porto Alegre em março mesmo, num fim de semana logo antes do lançamento de nosso amigo Michele D’Amore. Infelizmente, não ficarei para a festa, que é na segunda, mas em três dias acho que dá para encontrar todo mundo aí. Posso ficar na tua casa?

Abraços,

André.

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