Aos 80 anos, Costa-Gavras segue fiel ao seu cinema de temática e motivação política. Em meio século de carreira, denunciou ou fustigou a ditadura dos coronéis da Grécia (Z), o totalitarismo stalinista (A confissão), as ditaduras latino-americanas (Estado de sítio, Missing), o reacionarismo da Igreja (Amen) e o sensacionalismo da imprensa (O quarto poder). Agora chegou a vez de examinar, em O capital, o poder financeiro transnacional que sufoca países, empresas e indivíduos.
http://www.youtube.com/watch?v=NpVEo-naSXY
Se o senso de oportunidade do cineasta é indiscutível, o mesmo não se pode dizer da eficácia política e do alcance estético de seus filmes. Mesmo os mais bem construídos e encenados, como Z e A confissão, não ocultam uma simplificação maniqueísta que, ao fim e ao cabo, produz no espectador medianamente esclarecido uma sensação catártica e apaziguadora: estamos do lado do bem, afinal. A par disso, são obras quase absolutamente convencionais em termos narrativos, aderindo aos códigos dos gêneros tradicionais, em especial o thriller, o policial e o melodrama.
Finanças nebulosas, drama banal
O capital não foge à regra. Por trás (ou à frente) de uma trama financeira nebulosa, em que um fundo de investimento norte-americano tenta tomar o controle de um grande banco francês, desenrola-se um drama humano bastante banal, centrado em Marc Tourneuil (Gad Elmaleh), um jovem executivo que busca escapar das puxadas de tapete de seus pares a fim de se manter na presidência do banco e conseguir cada vez mais dinheiro e poder “para ser respeitado”. Ele não tem tempo para a mulher (que conserva um resquício de consciência social e funciona como um parâmetro ético cada vez mais esmaecido e distante) e para o filho, um pré-adolescente mesmerizado por aparelhos eletrônicos, como 99% de sua geração.
Há outros dois contrapontos morais ao alpinismo voraz de Tourneuil: um tio de esquerda e uma executiva bonita e brilhante, especialista em mercados asiáticos. É para eles que Costa-Gavras dirige nossa simpatia, fazendo-nos torcer para que regenerem o protagonista e o salvem de si mesmo. De resto, é uma briga de foice para ver quem é mais esperto e inescrupuloso, ainda que o filme tente diferenciar um modo americano, mais “selvagem”, e outro europeu, mais “humano”, de fazer dinheiro.
Não é muito diferente, no fundo, de Wall Street, o melodrama de Oliver Stone que contrapunha especuladores malvados e especuladores bonzinhos.
O fascínio do supérfluo
Há pelo menos dois problemas centrais em O capital, mesmo dentro do quadro do cinema habitual de Costa-Gavras. O primeiro é que ele parece indeciso quanto ao enfoque narrativo. Há um esboço de distanciamento irônico, brechtiano, quando o protagonista se dirige diretamente ao espectador, mas isso acontece apenas na primeira e na última cena. Entre uma e outra, trata-se de uma narrativa realista convencional e não muito rigorosa, já que o ponto de vista de Tourneuil (a “primeira pessoa”) é abandonado em vários momentos para mostrar (em “terceira pessoa”) o que os outros personagens fazem às suas costas.
Outro ponto problemático é o modo como o filme retrata o estilo de vida do protagonista, numa sucessão frenética de ambientes e cenários que parecem saídos de um best-seller de Harold Robbins: jatinhos, iates, palácios, beldades exóticas, festas nababescas. Há um indisfarçável fascínio pelos signos (ou antes, clichês) desse mundo de desperdício que Costa-Gavras pretende criticar. Alguém poderá dizer que essa mesma ambiguidade aparece num filme como A doce vida, mas é como se Fellini tivesse consciência de suas próprias contradições a ponto de virá-las do avesso, sem falar da invenção narrativa e visual que contrasta com o prosaísmo de O capital.
O cinéfilo que está à procura de uma expressão estética do poder absoluto do deus dinheiro em nossa época encontrará mais alimento na síntese brutal de Cosmópolis, de Cronenberg, ou na colagem provocadora de Filme socialismo, de Godard, do que na profusão de cenas, ambientes e situações redundantes deste O capital. Pois, afinal de contas, estamos falando de cinema.