Consta da cronologia em Três Ottos por Otto Lara Resende, publicado pelo IMS em 2002, que em 1951 o escritor mineiro assumiu o cargo de redator principal do então recém-fundado jornal Última Hora. Ali ele escreveria sobre vários assuntos, entre os quais filmes, na coluna intitulada “Cinema”, que ele assinava sob o pseudônimo de “J. O.”.
Meticuloso guardador de papéis, Otto preservou 78 textos dessa coluna, mas, infelizmente, ao recortá-los, a tesoura levou as datas. Poupou, no entanto, o nome do periódico. É o que se vê ao manusear seu arquivo, sob a guarda do IMS. As tiras da coluna diária “Cinema”, inéditas em livro até hoje, sobressaem em meio à imensa variedade de recortes de diferentes jornais.
Ao assumir a seção, Otto substituía ninguém menos que Vinicius de Moraes, conforme se lê no texto “Simão, o caolho“, filme brasileiro do diretor Alberto Cavalcanti, de 1962. Diz Otto: “Vinicius – cujo lugar eu, indebitamente, ocupo nesta coluna…”. Ainda nesse texto, o escritor demonstra contentamento com o fato de os dois terem a mesma opinião sobre a película no que diz respeito à direção de Cavalcanti: “Vinicius reconhece, como eu próprio reconheci, que o filme tem graves defeitos, mas acha que esses defeitos não são de Cavalcanti”.
Como não podia deixar de acontecer, os textos de Otto refletem sua extraordinária espirituosidade, como na crônica intitulada “Três vagabundos“, comédia da Atlântida, com Oscarito, Grande Otelo e Cyl Farney: “A meu lado, sentaram-se duas senhoritas de longos cabelos e longa matraqueação”; ou seu temperamento às vezes melancólico, dessa vez em “Macau“, que considerava “uma sucessão de clichês”, do diretor Joseph von Sternberg: “Eu ia cansado e triste, palmilhando a avenida Rio Branco…”; e ainda a aguda sensibilidade ao sair de “Uma rua chamada pecado“: apesar de inconformado com a tradução de “A streetcar named desire“, mesmo assim trava um diálogo imaginário com a personagem principal, Blanche Dubois: “Vim conversando com ela até a redação num diálogo lírico e alucinado”.
“Um caso de honra comoveu-me brutalmente e saí menos pessimista e menos gripado do cinema”, escreveu ainda ele sobre esse filme do inglês Anthony Asquith. Autor de frases geniais e compulsivo missivista, incansável escritor de várias versões do romance O braço direito (1963), Otto apresentou mais essa faceta, a de crítico de cinema, na qual não abriu mão da graça e agilidade próprias de seu estilo.
O leitor que quiser conhecer as críticas de Otto Lara Resende não vai encontrar apenas a análise dos filmes europeus, americanos ou brasileiros que marcaram os primeiros anos da década de 1950. Percorrerá o universo em torno do cinema de uma maneira geral. Ora ele tecia considerações sobre o estado das salas de exibição cariocas ou o preço dos ingressos, como na crônica “Cineminha de segunda-feira”: “E se os exibidores conseguem provar que é preciso aumentar o preço do cinema, ao menos tratem de melhorar as suas salas…”; ora comentava a situação econômica e se solidarizava com a reivindicação dos operadores de projeção por melhores salários: “Os operadores dos cinemas cariocas não constituem uma classe privilegiada. Ganham salários modestos e, por isso mesmo, como a vida anda apertada também para eles, estão pleiteando, por intermédio de seu sindicato, um aumento de sessenta por cento”. O colunista também não deixou de fazer apreciações sobre certos aspectos da cidade. Ler sua coluna pode representar um passeio saboroso pelas ruas do centro do Rio daqueles tempos, quando era possível, como acontecia com ele, cruzar no caminho com escritores e intelectuais do porte de Carlos Drummond de Andrade, José Lins do Rego ou o desenhista Nássara.
A seguir, dois recortes de “Cinema”.