O gótico pop de Tim Burton

No cinema

30.06.12

Se há uma marca pessoal no cinema de Tim Burton – e é óbvio que há -, ela reside na maneira como ele justapõe em seus filmes a fantasia gótica e a sensibilidade pop. Dessa mistura, que talvez esteja também por trás do sucesso juvenil de Harry Potter e da saga Crepúsculo, o cinema de Burton, muito mais sofisticado e inspirado, extrai a sua graça, nos vários sentidos da palavra.

Isso nunca foi tão claro quanto no recém-lançado Sombras da noite, em que um vampiro (Johnny Depp, evidentemente) reaparece numa cidadezinha pesqueira do Maine, nos EUA, depois de passar duzentos anos acorrentado e enterrado.

Amor-horror-humor

Não conheço a série de TV em que o filme se inspirou, e que teve vida breve em 1991, mas o que se vê na tela é puro Tim Burton. A construção cartunesca dos ambientes e personagens, o saqueio sem cerimônia da iconografia clássica do cinema, a habilidade em manipular o trinômio amor-horror-humor, tudo isso se conjuga com o fascínio por signos de uma certa tecnologia retrô (hoje se diria vintage), que no caso de Sombras da noite se expressa em carros Mustang, em televisores em forma de caixote e na engenhoca de transfusão de sangue da Dra. Hoffman (Helena Bonham Carter).

http://www.youtube.com/watch?v=jc96vSWjze8&feature=youtu.be

As referências culturais e políticas de época (a ação se passa em 1972) são sempre certeiras e nada gratuitas: de Love story à guerra do Vietnã, do filme Amargo pesadelo às reuniões hippies em torno da fogueira, cada qual cumpre um papel na progressão da história, na construção da atmosfera ou na caracterização dos personagens. A trilha sonora é impagável: Moody Blues, Deep Purple, Carpenters, Elton John e, claro, Alice Cooper, que aparece em carne e osso para animar uma festa/happening no castelo em ruínas da família do protagonista. Mais que uma homenagem, é uma ressurreição análoga à do vampiro.

O moderno e o eterno

Em meio à rica memorabilia dos anos 70, um objeto se destaca: uma daquelas horrendas luminárias em que bolas vermelhas se agitam, se desmancham e se recompõem num líquido incolor, dentro de um cilindro de vidro. A imagem, modernosa e descartável, remete à frase proferida com dicção solene, ancestral, no início e no final do filme: “O sangue é mais denso do que a água”. Outra vez o trânsito entre o moderno e o eterno.

Mais do que de Ed Wood, a quem consagrou um filme memorável, Tim Burton é um discípulo legítimo de Roger Corman, só que com muito mais dinheiro e condições tecnológicas nas mãos. De Corman ele herdou a imaginação visual desbragada, o gosto do macabro fake, os violentos contrastes de sombra e luz, as cores vibrantes, as reviravoltas espetaculares do enredo, a deliciosa canastrice da direção de atores.

A diferença, talvez, é que Tim Burton é um tremendo de um romântico. Todos os seus filmes, qualquer que seja o gênero, são, no fundo, histórias de amor – de preferência imortal, impossível, absurdo.

Faltou dizer que Sombras da noite tem uma das trepadas mais selvagens, bizarras, violentas e divertidas de todo o cinema, entre o vampiro encarnado por Depp e a bruxa vivida por Eva Green. O sexo no cinema nunca mais será o mesmo.

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