O grande samba

Séries

20.06.13

O teatro Fênix quase veio abaixo quando Araci Cortes cantou pela primeira vez o Jura, em 28 de setembro de 1928, durante o show Microlândia. Araci teve que repeti-la sete vezes. As palmas foram tantas que o autor do samba, Sinhô, acabou subindo ao palco aos prantos, para agradecer. Luís Martins (1907-1981), futuro autor de Lapa e Noturno da Lapa (memórias sobre o bairro boêmio nos anos 1920-30) e cronista do Estadão, estava lá e relembra o que viu na crônica reproduzida abaixo.

Este é o segundo texto da série Crônicas musicais de Luís Martins, que está sendo publicada às quintas-feiras no Blog do IMS. Foi publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, em outubro de 1971, e integra a antologia Melhores crônicas de Luís Martins (org. Ana Luisa Martins), a ser lançada pela Global Editora.

Sinhô, Araci Cortes e Mario Reis

Sinhô, Araci Cortes e Mario Reis

O grande samba

Luís Martins

O show de Mario Reis realizado no Rio de Janeiro – e que eu vi, um dia desses, transmitido em vídeo tape por um canal de televisão – encheu-me de saudade. Nunca falei com Mario Reis, a quem só conhecia de vista. Também nunca troquei uma palavra com Chico Alves e Noel Rosa, que toda gente diz ter sido grande frequentador dos bares e cabarés da Lapa, mas que eu jamais pude ver nesses lugares. Nem eu, nem Lucio Rangel, que declara peremptoriamente: “Nunca vi Noel Rosa na Lapa”.

Conheci, em compensação, Lamartine Babo, Ary Barroso, Carmen Miranda, Gastão Formenti, Almirante, o maestro Eduardo Souto (para quem escrevi a letra de uma bela música de rancho, gravada por João Petra de Barros) – e muito bem, Catulo da Paixão Cearense, Hekel Tavares e Joubert de Carvalho, este meu parceiro em vários discos, eu como autor da letra, ele da música. Discos que pouco ou nenhum sucesso alcançaram, por culpa evidentemente minha (Gastão Formenti era o nosso intérprete preferido). Durante algum tempo, convivi também bastante, quase diariamente, com Orestes Barbosa, mas este é um capítulo à parte, que não caberia numa crônica.

E conheci também o famoso Sinhô. Era sobre isto que que queria falar. Quando Mario Reis cantou o Jura uma onda de ternura, de saudade, de tristeza me invadiu: vi-me subitamente reconduzido a um Rio de Janeiro tão antigo, tão romântico, tão maravilhoso, tão diferente do que é hoje, que se dizia outra cidade. No teatro Fênix estreava uma revista de Paulo Magalhães, com música de José Barbosa da Silva, o popularíssimo Sinhô. Eu era um rapazola de 20 anos que se iniciava timidamente nas letras e no jornalismo – e me achava na mesma frisa em que estavam o teatrólogo e o compositor. Havia grande expectativa em torno de um novo samba feito por este, que ninguém ainda ouvira, mas de que ele próprio dizia maravilhas. E, de repente, Araci Cortes, no palco, canta o Jura, o samba em questão.

O teatro quase veio abaixo! Araci foi obrigada a bisar, tornar a bisar, duas, três, quatro vezes (sei lá!) e o público, entusiasmado, não se cansava de aplaudir e querer mais…

Mario Reis foi o primeiro cantor a gravar o Jura em disco, penso eu. Ele considera o grande samba, o maior que se fez em todos os tempos, no Brasil; e eu, que não sou autoridade na matéria, não estou longe de compartilhar sua opinião. Mas devo confessar: isto penso agora. Porque naquela noite, no teatro Fênix, o Jura deixou-me inteiramente frio. No meio daquela multidão que delirava, manifestando o seu aplauso com palmas e gritos estridentes, eu era certamente a única ilha de tédio e indiferença, perdida no oceano ululante e consagrador. Custo a me entender, quando penso nisso.

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