Paraty: cidade tomada

Fotografia

09.10.12

Uma cidade tomada

 


Andando pelo centro histórico da cidade de Paraty, durante o evento Paraty em Foco, podíamos ver as ruas invadidas por atiradores de elite, com suas belas máquinas montadas em tripés, e tínhamos que tomar certo cuidado ao andar, para não estragar uma foto ou não tropeçar em algum fotógrafo deitado no chão irregular de pedras. Surgiram algumas cenas engraçadas: um dos nossos colegas, devidamente armado com sua câmera, andava cautelosamente pela rua já alagada pela subida da maré, tentando achar o melhor ângulo para atirar – desculpe, para fotografar. Mais à frente, olhando para nós, outros dois atiradores com suas teleobjetivas poderosas. A sensação era de uma guerrilha para a tomada de uma cidadela.

Foi curioso estar num evento de fotografia sem uma máquina, pois pude observar os vários fotógrafos registrando tudo. Não queria ser mais um. Será que eu veria o que os outros talvez não reparassem? Será que sobraria algo não fotografado? Talvez a posição do apenas olhar com os olhos fosse a mais privilegiada das vistas, estranha, mas privilegiada.

O olho que tudo vê

Logo no primeiro evento que participei, a palestra promovida pela revista ZUM, o fotógrafo Iatã Cannabrava, um dos organizadores, mostrou a vinheta do 8º Paraty em Foco. Vi no telão a imagem de vários circuitos fechados de TV a filmar vários ambientes ou lugares, uma sala, um cruzamento de viadutos, uma loja de departamentos, um assalto… Isto bastou para que surgissem reflexões. Em primeiro lugar, por que mostrar imagens feitas por câmeras autômatas, num evento cheio de fotógrafos? São imagens produzidas por equipamentos que registram imagens aleatórias, que vigiam enquanto os seres dormem ou fazem outras coisas. Por que essa necessidade de ver, de vigiar, de controlar? Imagens que só serão olhadas por ocasião de uma ocorrência, quilômetros de fitas magnéticas arquivadas ou regravadas após um período em que estas imagens expiram.

Tudo isso parece anunciar um futuro, em que a função do fotógrafo será editar estas imagens e não mais sair para olhar. Algo olha por ele. Numa outra apresentação, um fotógrafo que estava na platéia falou da próxima revolução permitida pela evolução dos equipamentos: o fotógrafo não irá mais fotografar, e sim filmar para depois editar e escolher o melhor fotograma que irá representar o momento registrado.

 

Um dos experimentos com pinhole de Michael Wesely

Dois trabalhos apresentados por Agnaldo Farias giravam em torno disso. O primeiro era o trabalho de Michael Wesely, no qual uma pinhole captou um mesmo lugar durante anos, impregnando a superfície do material fotossensível com diversas camadas de transformações ocorridas naquele local. A outra é o trabalho do fotógrafo belga, David Claerbout, em que um instante é mostrado sobre todos os ângulos possíveis, revelando todas as nuances e personagens de uma única cena. Era como se pudéssemos ser uma legião de observadores dispostos por todos os cantos do acontecimento, cada um dando sua versão da mesma cena – um tanto como nos quatro volumes do romance de Lawrence Durrell, O Quarteto de Alexandria. Estes trabalhos acabam por revelar discussões sobre o que é a fotografia, sobre o tempo, sobre a obsessão do olhar, sobre a vontade de onisciência. Em resumo, os artifícios que criamos para tentar abarcar o mundo. Lembro-me de dois filmes: um do Wim Wenders, O fim da violência (1997), e outro do Tony Scott, Inimigo do Estado (1998), ambos surgidos na época em que aflorava uma discussão sobre a questão das câmeras que estavam sendo instaladas nas cidades, isto é, a questão da vigilância do estado sobre seus cidadãos com a justificativa da segurança. Hoje parece que nos acostumamos e sorrimos para elas.

* Cídio Martins é assistente cultural da Coordenadoria de Fotografia do IMS.

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