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Armando,
Talvez você não queira saber do que te digo: apesar do rebarbativo Gullar ser bem mais velho que você, no meu ranking pessoal você é o mais importante poeta brasileiro vivo. Mas, te dou razão: talvez julgar poesia seja muito mais difícil do que julgar prosa. O que inclui o julgamento de obras de arte entre uma das profissões impossíveis – as outras três seriam, para Freud, psicanálise, política e pedagogia. Acrescentemos esta quarta à lista. É fácil julgar a má poesia. A boa, não.
Queria que você me falasse um pouco de como você experimenta o tempo. Falo da experiência subjetiva da temporalidade, esse sentido da vida a transcorrer, que é tão nosso – o que mais possuímos nesse mundo, a não ser um corpo e uma fatia do tempo? Mas nos escapa. Como essa experiência do tempo se inclui, ou não, na sua poesia?
Você me conhece bem e sabe que nós dois, que vivemos no mesmo século e nos mesmos dias do calendário, temos experiências temporais opostas. Minha temporalidade é a pressa, o instante, os minutos contados para cada coisa. Tento mudar isso. Defendo a cada dia meu direito à contemplação, luto contra compromissos, esvazio a agenda. Mas continuo preenchendo a cartela dos meus dias, como você observou. Já você, me parece que conseguiu se conceder o único luxo que verdadeiramente vale a pena na vida: ter um oceano de horas disponíveis diante de si, a cada dia. Condição da sua poesia?
Veja o que o Cildo Meirelles, meu artista favorito, disse sobre o tempo, no documentário que fizeram com ele e que fui ver duas vezes em 2010 – a segunda com lápis e papel na mão, a anotar no escuro as coisas que ele disse.
O malabarista equilibra três objetos onde cabem dois. Isto introduz uma dimensão temporal na arte deles. O tempo é tudo. (…) Tudo é perecível. Mas há uma diferença entre o perecível e o descartável. Somos finitos – isto é ser perecível. Mas não vamos nos suicidar por causa disso – isto seria sermos descartáveis.
Rita