Porcos, ratos e Selton Mello

No cinema

04.03.12

A comédia é o mais difícil dos gêneros. Uma piada ou faz rir ou provoca constrangimento. Não há meio-termo. Há quem morra de gargalhar com o grupo Monty Python, há quem não ache a menor graça. O mesmo vale para Jerry Lewis, Jim Carey, Woody Allen, Casseta & Planeta, Pedro Almodóvar, Cantinflas ou Mazzaroppi.

A eficácia do humor depende, em grande parte, de referências culturais e, numa medida maior ainda, de fatores insondáveis, que têm a ver com o temperamento e o estado de espírito de cada indivíduo.

Esse preâmbulo vem a propósito de duas novas comédias brasileiras em cartaz nos cinemas: Reis e ratos, de Mauro Lima, e Billi Pig, de José Eduardo Belmonte. As duas são muito diferentes entre si, mas trazem alguns pontos em comum (além do fato de serem ambas protagonizadas por Selton Mello e terem Otávio Müller no elenco) e suscitam uma reflexão sobre a atual situação do humor no cinema nacional.

O paródico e o picaresco

De certa forma, os dois filmes se inscrevem na tradição brasileira da chanchada, palavra que se presta a controvérsias. Em sua expressão clássica – as comédias populares estreladas por Oscarito e Grande Otelo -, a chanchada era basicamente uma combinação de dois elementos: a paródia e o espírito picaresco.

O estilo paródico nascia da ideia de que, sendo incapazes de produzir obras relevantes dentro dos gêneros tradicionais – policial, épico, musical, drama histórico etc. -, o que nos restava era arremedá-los de modo cômico, fazendo paródias de faroestes (Matar ou correr), de épicos bíblicos (Nem Sansão nem Dalila), de aventuras de ficção científica (O homem do Sputnik).

Já o picaresco parece ser o gênero que cai como uma luva numa terra celebrada pelo “jeitinho”: é o relato de peripécias vividas por um ou mais personagens argutos que usam de todos os subterfúgios para escapar do controle da autoridade e se dar bem. A vertente é fecunda, das próprias chanchadas da Atlântida a Vips, passando por Macunaíma, O auto da Compadecida e as comédias de malandragem de Hugo Carvana (Vai trabalhar, vagabundo, Se segura, malandro etc.).

Pois bem: Reis e ratos e Billi Pig entram meio desajeitadamente na seara da chanchada, o primeiro pela via paródica, o segundo pela picaresca.

Contra a globochanchada

O filme de Mauro Lima (diretor de Meu nome não é Johnny) é uma paródia de policial político, com trama girando em torno das maquinações de um agente da CIA (Selton Mello) e um major (Otavio Müller) para derrubar o presidente João Goulart. O de José Eduardo Belmonte (autor do ótimo Se nada mais der certo) é uma comédia frenética em torno de um golpe tramado contra um gângster (Otavio Müller) por um corretor de seguros falido (Selton Mello) e um padre picareta (Milton Gonçalves).

Devo dizer que os dois me divertiram bastante, mas, como essas coisas são subjetivas, não sei se agradarão igualmente a outras pessoas. Parece que Reis e ratos está indo mal de bilheteria, ou pelo menos bem pior do que se esperava para um filme lançado com mais de cem cópias.

O relativo fracasso talvez tenha a ver com o fato de a ação se passar em 1963 e fazer referência a eventos e personagens ignorados pelo público jovem de hoje. (O primeiro longa do Casseta & Planeta, A taça do mundo é nossa, realizado em 2003 e ambientado nos anos da ditadura, também fracassou.) Ou talvez o problema seja a estranheza causada pela desfaçatez de colocar em cena personagens deliberadamente caricatos, cartunescos, que se expressam com o linguajar e a entonação dos filmes mal dublados.

Tomara que Billi Pig, que acaba de entrar em cartaz, tenha um destino melhor. E que essas duas comédias não sejam punidas nas bilheterias justamente por sua principal virtude, que é a de fugir do modelo hegemônico da chamada globochanchada, calcada num humor de sitcom e no sucesso prévio de séries televisivas globais.

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