Quem tem medo dos filmes de sacanagem?

No cinema

17.05.13
"O império dos sentidos", de Nagisa Oshima

 

O império dos sentidos, de Nagisa Oshima (1976)

 

Vamos falar de sexo? A ampla Mostra Cine Privê – O erotismo no cinema, que vai até 28 de julho no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, é uma boa oportunidade para conhecer melhor o assunto e, ao mesmo tempo, ver ou rever alguns filmes extraordinários. O evento inclui a exibição de mais de vinte longas-metragens, além de exposição, debates, performances e shows de música. Veja aqui a programação completa.

Mas o que é o erotismo? O que o distingue da pornografia? Impossível responder essas questões no espaço exíguo de um blog. A própria mostra do Sesc as deixará inevitavelmente em aberto. Digamos provisoriamente, seguindo Georges Bataille e correndo o risco de traí-lo, que o erotismo não tem a ver com a mera satisfação da pulsão sexual (algo presente em todo o reino animal), mas sim com uma elaboração ociosa, especificamente humana, em torno desse desejo. Por isso o escritor cubano Severo Sarduy relacionou o erotismo à escrita barroca: ambos representariam um gesto supérfluo, caprichoso, que nega ou subverte a tendência humana para o trabalho, a produção, a acumulação, a utilidade.

Crash, de David Cronenberg (1996)
Crash, de David Cronenberg (1996)

Tragédias da carne

Essa ideia de desperdício, de dissipação, de consumo – em contraposição à produção – é o que move um dos destaques da mostra, A comilança (1973), de Marco Ferreri, em que um grupo de homens de meia-idade se fecha numa mansão durante um fim de semana para comer, beber e fazer sexo com prostitutas literalmente até morrer. Não por acaso, era um dos filmes favoritos de Buñuel, que o qualificou de “grande tragédia da carne”. Aqui, uma cena de sexo protagonizada por Marcello Mastroianni:

http://www.youtube.com/watch?v=_SoFkYGNAN4

Já a pornografia, pelo menos tal como a entendo, reduz as relações eróticas a uma mecânica, e o corpo, a uma anatomia virtualmente sem sujeito. No erotismo, o corpo existe em conexão com um espírito (ou anima, ou alma, dependendo da convicção de cada um) desejante, pessoal e intransferível.

Se há uma falha na Mostra Cine Privê, é o fato de ter selecionado quase só filmes em que prevalece o poder destrutivo de Eros: Laranja mecânica, O último tango em Paris, O império dos sentidos, Salò e Crash – estranhos prazeres, além do já citado A comilança.

Último tango em Paris, de Bernardo Bertolucci (1972)

Último tango em Paris, de Bernardo Bertolucci (1972)

O evento seria mais completo, a meu ver, se contemplasse também manifestações mais alegres, marotas e estimulantes do erotismo, como algumas das indevidamente chamadas pornochanchadas brasileiras (que serão abordadas numa palestra de Nuno César Abreu), comédias eróticas italianas, a “trilogia da vida” de Pasolini (Decameron, Contos de Canterbury, As mil e uma noites), os filmes de Almodóvar etc.

"Salò", de Pier Paolo Pasolini (1975)

Salò, de Pier Paolo Pasolini (1975)

Em compensação, a mostra do Sesc traz o interessante miniciclo “Amor e desejo na terceira idade”, com filmes como Amor, de Michael Haneke, e Saraband, o sublime último longa-metragem de Ingmar Bergman. Porque, afinal de contas, o sujeito não para de fazer amor porque fica velho, mas fica velho porque para de fazer amor.

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