Realidade e desejo – quatro perguntas a Sérgio Sant’Anna

Quatro perguntas

09.06.11

Sérgio Sant’Anna voltou a publicar depois de oito anos sem lançar trabalhos inéditos. O livro de Praga, seu 16º livro, nasceu pelas mãos do projeto Amores Expressos, que levou escritores brasileiros a diversas capitais do mundo para escrever histórias de amor. Sant’Anna, de 69 anos, permaneceu por um mês em Praga, capital da República Checa e cidade natal de Franz Kafka, citado no romance. De lá, retornou com a história de um escritor que funde arte e erotismo em busca de um sentido para a vida.

Foto: © BEL PEDROSA. O escritor Sérgio Sant’Anna, em seu apartamento, em Laranjeiras. Rio de Janeiro.

Foto: © BEL PEDROSA. O escritor Sérgio Sant’Anna, em seu apartamento, em Laranjeiras. Rio de Janeiro.

Autor de livros fundamentais como O voo da madrugada, A senhorita Simpson e O monstro, todos publicados pela Companhia das Letras, o escritor respondeu a quatro perguntas do blog do ims e falou sobre a recepção dividida que O livro de Praga tem recebido. Foi de uma sinceridade amável: “a realidade não obedece aos nossos desejos”.

 O livro de Praga é o primeiro lançamento do senhor após oito anos. Esse espaçamento tem a ver com o processo de escrita do senhor?

Sim. Eu escrevo muito lentamente. Escrevo à mão, depois passo para o computador. Faço muitas anotações em folhas soltas, blocos de papel e vou juntando isso aos poucos. Foi assim com O livro de Praga, que eu comecei a rascunhar a partir do final de 2007. Foram oito anos sem publicar, mas não oito anos sem escrever. No mesmo período também escrevi contos.

No livro, elementos ficcionais se mesclam a referências autobiográficas e a estrutura do livro lembra uma coletânea de contos que se entrelaçam. O livro nasceu desta forma ou foi mudando ao longo do processo de escrita?

O livro é uma coletânea de narrativas que se entrelaçam. Posso dizer que comecei já dessa forma, porque desde o princípio pensei em escrever um livro de episódios. Prefiro falar em narrativas e não contos, justamente porque os episódios remetem uns aos outros, como num romance ou novela, com um protagonista. Não há nada de autobiográfico no livro a não ser o fato de que o protagonista é um escritor que se encontra em Praga, financiado por um produtor, para escrever uma história de amor. Mas as aventuras que esse protagonista vive são pura ficção.

O senhor é um dos expoentes de uma geração que tem nomes expressivos como Joao Gilberto Noll, Caio Fernando Abreu. Há diferenças fundamentais  entre a sua e a nova geração de escritores brasileiros? 

Eu não consigo ver muitas diferenças entre essas gerações. Aliás, Nelson de Oliveira, em sua introdução ao livro A geração 90 (os transgressores), vê semelhanças entre as gerações dos anos 70 e dos anos 90. Basicamente elas estão ligadas pelo desejo de transgredir, como sugere o título. De todo modo, eu acho arriscado enquadrar escritores em uma geração porque prejudica a individualidade do autor. Na minha época não se falava em geração 70, isso veio depois. Obviamente, se notavam mudanças; novos estilos, modernos. E vivíamos também um período de grandes transformações. Ou seja, havia essa percepção de que estávamos fazendo algo novo, mas não de forma organizada. Consigo enxergar a mesma inquietação em escritores como Marçal Aquino, Joca Reiners Terron e em Lourenço Mutarelli.

O romance tem despertado reações fortes entre crí­ticos e leitores, sem meios termos: há quem goste muito, há quem odeie. Como é, depois de lançar 15 livros, tantos roteiros, peças de teatro e aos quase 70 anos, lidar com a opinião alheia? Ainda pesa?

As que li nos jornais O Globo, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo foram entusiasticamente favoráveis. Mas percebo que há pessoas, amigos inclusive, que receberam o livro e responderam com o mais absoluto silêncio. E tenho certeza de que essas pessoas odiaram O livro de Praga. Mas eu já esperava que fosse assim. Preferia, é claro, que o livro fosse amado por todos, mas a realidade não obedece aos nossos desejos.

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