Rindo de quê?

No cinema

11.10.12

Não vi De pernas pro ar, grande êxito de bilheteria, mas suspeito que não seja uma lacuna muito grande na minha formação, a julgar por esta outra comédia do mesmo diretor (Roberto Santucci), Até que a sorte nos separe. Podem me chamar de rabugento e mal-humorado, mas vi poucos filmes tão desagradáveis quanto este último, que, ao que parece, também é um sucesso.

O gênero a que se filia é a screwball comedy, a comédia maluca de casal que teve seu auge na época da Depressão norte-americana pelas mãos de diretores como Leo McCarey, Frank Capra, Howard Hawks e George Cukor. No Brasil, um exemplo bem-sucedido é Se eu fosse você, de Daniel Filho.

Trata-se aqui, em resumo, da história de um casal (Leandro Hassum e Danielle Winits) que ganha uma fortuna na mega-sena e a dissipa em alguns anos, por conta de um exacerbado consumismo exibicionista. Tudo é estridente, enfático e redundante no modo como essa comédia se desenrola, do roteiro eivado de clichês (tudo bem um ou outro, mas não todos juntos) à mise-en-scène quadrada, passando pelas atuações histriônicas, típicas de programas humorísticos de TV.

Com exceção das imagens aéreas do Rio, logo no início, não há no filme um único plano criativo ou original. Minto. Há um: a cena em que o casal de vizinhos rivais dos protagonistas (Kiko Mascarenhas e Rita Elmor) discutem no banheiro e a câmera está posicionada onde seria o espelho, com os atores vistos em diagonal, falando para fora do quadro (como se falassem um para a imagem do outro no espelho). Uma passagem banal, mas que fornece um certo alívio por sair do tedioso campo/contracampo da maior parte da narrativa.

No mais, é uma obviedade atrás da outra. Se a mulher quer seduzir o marido para que este a engravide, o que ela faz? Veste um corpete preto com rendas vermelhas, uma máscara e faz “miau”. E pela enésima vez no cinema recente, somos forçados a ver um homem obeso (o protagonista) expor-se ao ridículo de dançar com uma roupa colante numa aula de aeróbica. E o embate entre o gordo expansivo (Hassum) e o magro metódico (Mascarenhas) provoca saudades de John Candy e Steve Martin em Antes só do que mal acompanhado (1987), de John Hughes.

Até uma piada potencialmente boa, a do boneco sentado na cadeirinha de bebê de um carro para enganar possíveis assaltantes, é conduzida de modo burocrático e esticada até perder a graça por completo.

Mas os espectadores – uma parte deles, pelo menos – riem, o que explica a boa bilheteria do filme e comprova que o humor, de fato, é uma coisa subjetiva. Riem, por exemplo, quando o protagonista, abalado pela notícia de que a mulher está grávida, rouba a máscara de oxigênio de um paciente numa maca de hospital, deixando o infeliz arfando à beira da morte – e a mesma gag é repetida na sequência dos créditos finais. Riem quando Danielle Winits espanca um ladrão em sua casa com um pé de cabra, deixando o sujeito cheio de hematomas e sem um par de dentes. Posso estar enganado, mas acho que esses risos são o produto de uma sensibilidade moral e estética (de)formada por anos e anos de “videocassetadas” e episódios de Jackass.

Mas o que há de pior são os momentos sérios, com musiquinha edificante e discurso de autoajuda. Por exemplo, quando a protagonista, que fez dezenas de plásticas e passa o tempo todo comprando joias, perfumes e roupas, quando não está no salão de beleza, diz ao marido: “Você não vê a mulher que eu sou? Pensa que sou uma perua fútil?”

Preocupante é ver produtores sérios e competentes envolvidos com essa coisa. Mais preocupante ainda é saber que vem aí De pernas pro ar 2.

Para não cair em depressão, e lembrar que o humor pode ser outra coisa, aqui vai um trecho de Levada da breca, de Howard Hawks, realizado há 74 anos – e mais novo que Até que a sorte nos separe:

http://www.youtube.com/watch?v=h4U4aA0ZmVM

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