Em um de seus principais livros, o alentado ensaio A invenção do humano, o crítico literário americano Harold Bloom atribui a tarefa do título não a Deus, ou aos deuses, mas a um homem: William Shakespeare. Para Bloom, o genial dramaturgo e poeta inglês, nascido em Stratford-upon-Avon em 1564, deixou como legado todo um arcabouço psicológico, até então inexistente na literatura, lapidado em histórias de amor, loucura, ciúme, desejos e violência, erguido sobre personagens que procuram dentro de si respostas, às vezes redenção, num longo e desafiador processo de autoconhecimento.
Essa é uma das razões para que em 2016, quatrocentos anos depois da morte do bardo, sua obra continue atual e ainda inspire múltiplas leituras, como evidencia o ciclo Shakespeare e Cinema, que ocupará a Sala José Carlos Avellar no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro entre os dias 1º e 11 de dezembro. A mostra, que tem a parceria do British Council, levará ao público diversas versões e interpretações da obra do dramaturgo.
A seleção inclui desde o clássico Hamlet (1948), de Laurence Olivier – ator shakespeariano até a medula, que já fizera Henrique V em 1944, e voltaria a Shakespeare depois –, à modernidade de Derek Jarman (com sua versão para A tempestade, de 1979, e The Angelic Conversation, de 1985, colagem que tem como fio condutor a leitura, por Judi Dench, de alguns dos 126 sonetos amorosos de Shakespeare dirigidos a um rapaz). Há ainda adaptações de Rei Lear (de Peter Brook, em 1970, e do russo Grigori Kozintsev, de 1971), de Macbeth (de Roman Polanski, em 1971, e de Akira Kurosawa, que em Trono manchado de sangue, de 1957, transpôs a história original para o Japão feudal), e Júlio César (em César deve morrer, dos Irmãos Taviani, de 2012, que acompanharam a montagem da obra de Shakespeare por detentos de um presídio de segurança máxima na Itália). Sem esquecer a tragédia romântica Romeu e Julieta (1968), sob a regência do italiano Franco Zefirelli, que cativou os espectadores com um belo casal de adolescentes como protagonistas (Leonard Whiting e Olivia Hussey, lindinhos na flor dos seus 16 e 15 anos, respectivamente).
Para lembrar os 400 anos sem (ou com) Shakespeare, e celebrar o ciclo, o IMS convidou algumas pessoas para lerem e comentarem, em vídeo, trechos da obra do dramaturgo. A fotógrafa inglesa Maureen Bisilliat, radicada no Brasil desde os anos 1950 e que tem a obra completa incorporada ao acervo do IMS desde 2003, faz a leitura do “Soneto 116”, que tece considerações sobre a essência do amor. Essência, aliás, da qual Maureen discorda veementemente, como se pode ver no vídeo. “A maneira como ele une as palavras… parece que elas voam. Embora não estejamos convencidos do que ele está falando. Acho que isso é irreal”, alfineta ela, entre risos.
O ator Gustavo Gasparani, que conta ter tomado contato com Shakespeare ainda adolescente, com Hamlet, lê um trecho de Ricardo III, que ele interpretou recentemente nos palcos, transformado num longo monólogo aclamado pela crítica. Ricardo III também se faz presente na mostra de cinema, com uma interpretação de 1995 do diretor Richard Loncraine, que ambienta a história da cobiça pelo poder nos anos 1930, transformando o protagonista num ditador fascista.
A pesquisadora e professora Marta de Senna, presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, destaca a presença monumental que o dramaturgo inglês teve na obra do brasileiro. “Em Machado Shakespeare é assimilado de uma forma muito complexa, muito fecunda”, lembra ela no vídeo. “Desde o respeito mais solene a uma irreverência terrível no trato do bardo, Machado oscila por atitudes diametralmente diferentes. Mas é uma espécie de fixação que ele tem por Shakespeare”.
Marta, autora de O olhar oblíquo do bruxo, um de seus livros sobre Machado, falará sobre essa admiração e influência numa palestra gratuita que acontece dia 1º, às 19h, promovida pelo Clube de Leitura do IMS. Além disso, a programação do ciclo inclui um debate com Roberto Rocha, professor adjunto de Literaturas de Língua Inglesa na UFRJ, sobre as adaptações de Shakespeare para o cinema. A conversa, que será mediada por Guilherme Freitas, editor assistente da revista serrote, acontecerá sábado, dia 3, após a exibição de Rei Lear, de Peter Brook, que começa às 16h.
SERVIÇO
Instituto Moreira Salles – Rio de Janeiro
Rua Marquês de São Vicente, 476 – Gávea
Tel: 3284-7400
Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia)
À venda também em www.ingresso.com
Disponibilidade sujeita à lotação da sala. O cinema do IMS não abre às segundas-feiras.
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