Leio que uma companhia vendeu mais de 13 milhões de celulares em três dias, desde que começou a comercializar seu novo modelo. Menos por birra do que pela mais completa falta de necessidade, continuo com um modelo de quatro anos atrás, da mesma companhia, e com o tablet de primeira geração, que me deram quando os tablets foram inventados.
Pouco a pouco, entretanto, a cada nova atualização automática (e muitas vezes inexplicável) dos programas que esses telefones e tablets precisam para funcionar, meus modelos perfeitamente funcionais vão se desatualizando e se tornando obsoletos e inoperantes pela ação deliberada da própria empresa que os criou e vendeu, até o dia que não me restará outra saída senão me render aos novos modelos, se quiser continuar usando os programas e os aplicativos pelos quais paguei.
Leio, na mesma edição do mesmo jornal, que chefes de Estado do mundo inteiro estão suando em bicas para fechar as contas de suas economias e chegar à conferência do clima, em Paris, no final do ano, com as melhores metas de política ambiental já apresentadas até hoje – mas que, devido à gravidade da situação em que nos encontramos, podem ser tão pífias quanto improváveis.
E aí eu penso: que lógica é essa que aplaude os lançamentos sucessivos de novos modelos de telefone totalmente dispensáveis, enquanto países de todo o mundo dizem estar fazendo o impossível para manter em 2 graus centígrados a projeção de aquecimento global (embora os cálculos já mostrem que os esforços atuais não serão suficientes para mantê-lo abaixo de 3,5 graus no final do século)? O que passa pela cabeça de quem corre à loja do fabricante de telefones, ávido pelo novo modelo, e ao mesmo tempo diz zelar pela salvação do planeta? O que ainda impede esse indivíduo de ver a contradição entre o que ele diz e o que ele faz – para não falar do próprio fabricante?
É claro que não faltará quem diga, indignado com minha cegueira, que uma coisa nada tem a ver com a outra, que os telefones não são a causa direta do aquecimento global e que sem a corrida às lojas a economia quebraria e, com ela, o bem-estar da humanidade. Então, estaríamos entre a cruz e a caldeirinha? A última das “Três Parábolas”, um texto de 1895 incluído na edição primorosa dos contos completos de Tolstói que a CosacNaify acaba de lançar, com tradução de Rubens Figueiredo e fotos magníficas de Prokúdin-Gorskii, ilustra bem o paradoxo e o silogismo.
Um grupo de viajantes se extravia e chega a um impasse de galhos e espinhos no meio do mato. Parte do grupo, tentando se convencer de que não estão perdidos, insiste em seguir em frente. Outra parte, concluindo que já teriam chegado ao destino se estivessem no bom caminho, se dispersa em todas as direções, na tentativa desarvorada de encontrar um norte. Um homem, que não concorda nem com uma coisa nem com outra, sugere que, antes de tomar qualquer decisão, deveriam refletir e analisar onde estão, com base no sol e nas estrelas. Logo é acusado de preguiçoso e imobilista.
“O primeiro grupo dos viajantes seguiu em frente na direção que já vinha seguindo, o segundo grupo começou a se movimentar de um lado para outro, mas nem um nem outro se aproximou do destino, sequer conseguiram sair da mata fechada e dos espinhos e até agora estão vagando sem rumo. (…) As pessoas inventam todos os meios possíveis, menos o único capaz de salvá-las, (…) sentem o desastre de sua situação e fazem todo o possível para se esquivar, porém justamente o que, com certeza, aliviaria sua situação, isso elas não querem fazer de jeito nenhum, e qualquer conselho para agir assim as deixa mais irritadas do que qualquer outra coisa.”
Podem me chamar de preguiçoso, imobilista ou ingênuo, mas é difícil não se espantar com a cegueira de quem continua se deixando levar por uma trilha de espinhos, convencido de que está no caminho certo e de que não haverá maiores consequências à frente. Enquanto outros seguem proclamando que, pelo lucro, até o suicídio vale a pena.