O cinema do IMS-RJ exibe o filme Sudoeste nos dias 16 e 17 de agosto, às 20h.
Dois filmes brasileiros muito fortes estão em cartaz e merecem – ou melhor, precisam – ser vistos antes que sejam esmagados pelos blockbusters do momento.
Sobre Era uma vez eu, Verônica, de Marcelo Gomes, já discorri, ainda que brevemente, ao comentar o festival de Brasília, que ele venceu, empatado com Eles voltam.
Agora cabe destacar, com urgência, o extraordinário Sudoeste, de Eduardo Nunes, que está em cartaz no Rio e em seguida aporta em São Paulo e outras capitais.
Longa-metragem de estreia do diretor niteroiense, festejado por curtas como Terral, A infância da mulher barbada e Reminiscência, Sudoeste é um projeto ambicioso que demorou dez anos para se realizar, e o resultado impressiona por seu refinamento estético e sua ousadia formal.
Seus dois traços visuais mais evidentes – a fotografia em preto e branco e o formato da tela (3,66:1), mais horizontal até do que o cinemascope – não são meros cacoetes estilísticos, mas, ao contrário, servem perfeitamente à proposta dramática do filme, ao universo físico e humano que ele constrói.
De seu entrecho dramático, o que se pode dizer é que trata de um dia na vida de um vilarejo lacustre, durante o qual se desenrola toda a existência de uma mulher, Clarice (Raquel Bonfante, Simone Spoladore e duas outras atrizes). Soa enigmático? Assista ao filme para entender o que se passa.
Tempos sobrepostos
Ao situar seus personagens num lugar aparentemente parado no tempo, ou fora dele, Sudoeste se filia de algum modo a toda uma família de filmes brasileiros recentes: Mãe e filha, de Petrus Cariry,Girimunho, de Clarice Campolina e Helvécio Marins, Histórias que só existem quando lembradas, de Júlia Murat. Reparando melhor, são, todas elas, obras em que se sobrepõem duas ordens de tempo: o tempo cíclico, circular, e o tempo histórico ou cronológico. Um antecedente mais ou menos próximo seria A ostra e o vento (1997), do veterano Walter Lima Jr., e um antepassado mais remoto, Limite(1930), de Mário Peixoto. Essa espécie de negação do contemporâneo por tantos jovens cineastas poderia ser um tema interessante de pesquisa e análise. Mas voltemos ao filme.
À teia de tempos sobrepostos presentes nos outros exemplos citados, Sudoeste acrescenta mais um, que é, digamos, um tempo metafísico ou mesmo fantástico. A aproximação aqui, tanto em termos plásticos como filosóficos, é com o cinema de Tarkóviski, com ecos também (até pela semelhança da paisagem, dos botes etc.) do Mizoguchi de Contos da lua vaga. Talvez a associação soe um tanto forçada, mas ninguém negará que o apuro plástico da fotografia de Mauro Pinheiro Jr. na construção de um espaço/tempo especificamente cinematográfico só encontra paralelo nos melhores momentos do cinema russo, japonês ou nórdico.
Poesia visual
Alguns críticos viram no filme um excesso estetizante que teria obscurecido “a história a ser contada”. Discordo. Um dos méritos maiores de Sudoeste é o de não ser a ilustração audiovisual de uma história pré-existente (num livro, ou num roteiro), mas o de engendrar sua narrativa a cada plano, por meio da luz, do ritmo, dos efeitos sonoros – e só acessoriamente pelo diálogo, aliás escasso.
Filme em que não há um único plano feio, descuidado ou desnecessário, Sudoeste é pródigo em momentos de grande poesia visual: um barraco sobre palafitas queimando solitário no meio do lago, a janela que se abre (como uma tela de cinema) para crianças brincando de correr na chuva, a salina que se estende a perder de vista com seus pequenos montes de sal e seus minúsculos lagos, uma vela que se acende criando o mundo ao seu redor etc.
Algumas últimas informações: o filme foi rodado nas proximidades de Arraial do Cabo, na chamada região dos lagos, e ganhou no Festival do Rio do ano passado o prêmio especial do júri, o de fotografia e o da Fipresci (crítica internacional), conquistado também no Festival de Toulouse. O elenco tem ainda a veterana Léa Garcia, como uma espécie de bruxa, Dira Paes, Mariana Lima e Everaldo Pontes, entre outros.