Detalhe do autorretrato

Otto Stupakoff

Detalhe do autorretrato

O porto seguro de Otto

Fotografia

13.12.16

Bob Wolfenson é curador, com Sergio Burgi, da exposição Otto Stupakoff: beleza e inquietude, em cartaz a partir de 13 de dezembro no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro. Este texto faz parte da mostra.

Autorretrato em frente ao primeiro estúdio, projetado e construído por ele próprio, Porto Alegre, 1955 / Acervo IMSOtto Stupakoff

Autorretrato em frente ao primeiro estúdio, projetado e construído por ele próprio. Porto Alegre, 1955 / Acervo IMS

O fundo infinito para o fotógrafo equivale à folha em branco para o escritor. Ambos precisam ser preenchidos. E são onde, digamos assim, abstrações se concretizam na forma de fotografias e ideias escritas. O fotógrafo, no entanto, trabalha com questões técnicas específicas e, diferentemente do escritor, tem a câmera e as luzes como constantes necessárias à execução de seu trabalho. O resto, tanto para um como para o outro, é terreno fértil para a invenção.

O habitat do fundo infinito, na imensa maioria das vezes, é o espaço de um estúdio, um posto onde os fotógrafos, ditos de moda e/ou de retratos, exercem seu rito. Porém, como cada fotógrafo tem seu modo, cada estúdio tem sua especificidade; alguns são laboratórios de experimentações, outros funcionam como posições de segurança e controle. E muitos, ainda, são a própria casa do fotógrafo.

Em que pese a obra de Otto Stupakoff ser mais ampla e rica quando realizada em ambientes externos, portanto muito mais afeita ao imponderável e ao improviso – e estes aspectos são claramente constituintes de parte de seu processo de trabalho –, ele, entre idas e vindas, acabou tendo diversos estúdios. Em todos eles, de alguma forma, foi muito produtivo, e todos, ao final, se configuraram como antíteses de um estúdio formal. Mesmo o primeiro, em Porto Alegre, construído especialmente como tal, guardava características de um “não estúdio”.

Todos os imóveis que desenhou, ergueu ou ocupou ao longo de sua vida foram sempre tentativas de fazer do estúdio um lugar de acolhimento e conforto, muito mais próximo a um ateliê de artista do que a um estabelecimento próprio à função profissional. A profusão de coisas, objetos e obras de arte presentes nesses ambientes são o retrato de uma mente em constante ebulição e atestam as múltiplas facetas de seus interesses.

Otto ainda encontrava nesses espaços um refúgio, e fazia deles sua oficina de fundição de ideias e de exercício de suas aptidões: ora como fotógrafo de retratos ou publicidade, ora como autor de engenhosas colagens. Além do que, no âmbito desses recintos, ultrassedutores, recebia suas amigas e amigos, artistas e intelectuais. As fotos de moda, ao contrário do que faziam alguns de seus contemporâneos, eminentes fotógrafos de estúdio, como os americanos Richard Avedon e Irvin Penn, aconteciam quase sempre em locações externas ou internas.

Enfim, para ele, o ateliê/estúdio era frequentemente seu porto seguro, um local fechado em si, protegido das variações do tempo, da imponderabilidade das cenas exteriores, do choque com a realidade das ruas e, mais que tudo, palco para suas fabulações e esquetes, onde pôde exercer parte de sua variada e particular dramaturgia.

De certa forma, não obstante todas essas considerações acima, o estúdio, com suas quatro paredes e seus fundos infinitos, não o continha, não comportava sua personalidade exuberante e aventureira. Sua folha em branco haveria de ser preenchida no planeta todo, subordinada ao seu olhar obsessivo em busca da beleza, a qual sempre dizia perseguir. Por isso seu périplo pelo mundo.

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