A morte de Ray Bradbury é, de alguma forma, a morte do século XX. De todos os escritores de ficção científica – um gênero que existe, na prática, há pouco mais de cem anos, Bradbury deu mais ênfase à prática literária do que aos devaneios futuristas. Não foi visionário como Arthur C. Clarke, nem pragmático como Isaac Asimov – e, diferente destes, pouco tinha de cientista. Não aspirou ao gênio transcendental de Philip K. Dick ou ao vórtex descendente de William Burroughs – e, diferente destes, pouco tinha de artista. Encarava a escrita como uma prática, a literatura como sacramento e dedicava seu suor a melhorar esta atividade diariamente, religiosamente. Tanto que em boa parte de suas fotografias ele aparece na frente de uma estante cheia de livros ou atrás de uma máquina de escrever portátil.
Seus livros eram pedestres, mundanos e usavam a ficção científica como desculpa para comentar a vida cotidiana. Sua obra mais reconhecida, As crônicas marcianas, poderia se passar em qualquer outro planeta, inclusive na Terra, e centrava-se mais nas ações dos personagens do que no cenário intergalático. Seu livro mais conhecido, Fahrenheit 451, é um 1984 menos épico, um Admirável Mundo Novo mais imediatista. É, principalmente, uma pesada crítica ao MacCarthyismo que assolava os EUA quando foi escrito (1953).
Estranhamente otimista num universo literário predominantemente pessimista, Bradbury celebrava a literatura como a arte do encontro e o prazer da aceitação, quando o leitor descobre o livro que, como dizia, “é você mesmo”, que lhe dá uma sensação de pertencimento e não de isolamento. Resta saber se tais sentimentos irão aos poucos para os museus como as máquinas de escrever e os livros de papel ou se sobreviverão ao digital inevitável. É melhor, como preferia Ray Bradbury, ser otimista.