Dia desses, conversando com uma amiga, fiquei espantada e assustada ao descobrir que a palavra empoderamento estava na moda. Espantada por que, para mim, essa palavra já esteve na crista da onda nos anos 1990 nos movimentos sociais no Brasil e havia caído em desuso, como as ombreiras dos anos 1980 ou as jardineiras dos 90. Assustada por perceber como os anos 1990 já são um passado distante… Empoderar é uma tradução ruim do inglês empowerment e está ligada à emergência de movimentos identitários no contexto norte-americano nos anos 1970. Por aqui, muitas vezes foi traduzida por fortalecimento, como termo de oposição ao enfraquecimento, mas que perde na tradução por se afastar de poder e se aproximar de força.
Com o passar do tempo, é comum certas palavras perderem seu impacto ou simplesmente saírem do vocabulário corrente para dar lugar a outras, nem sempre melhores, nem sempre mais adequadas, mas em geral marcadas por dinâmicas sociais que explicam sua entrada na cena da linguagem. Empoderar entrou na moda como forma de marcar a necessidade de eliminar a precariedade e a invisibilidade de determinados grupos sociais. Mulheres, negros, mulheres negras e pobres, indígenas, moradores de favelas, periferias e outros aglomerados subnormais – para usar a categoria do IBGE –, pessoas portadoras de deficiência são alguns dos exemplos de grupos que começaram a navegar nesta onda do empoderamento nos anos 1990, numa agenda muito colada à das conferências internacionais da ONU (meio ambiente, 1992; população, mulheres, segurança alimentar, pobreza, racismo).
Mas se considerarmos todos os avanços na direção de fortalecer socialmente todos esses grupos como insuficientes, parece fazer sentido que a palavra empoderamento tenha feito seu retorno à pauta política. Meu espanto, no entanto, veio da imensa distância entre a palavra empoderamento e duas discussões que já seguem avançadas na politica. Primeiro, os limites da estratégia que exige a formação de um grupo identitário que reivindica seu fortalecimento. Depois, porque reivindicar empoderamento é ocultar da pauta de debates de que forma de poder estamos falando.
O problema do exercício do poder não é um entre outros. Ao contrário, a ligação entre poder e força, que aproxima empoderamento e fortalecimento, exige transformar em políticos os próprios termos do que se busca com o poder e a força. Sem isso, empoderar arrisca a ser uma dupla armadilha. A primeira, a de que empoderar quem não tem poder acabe sendo como enxugar gelo, para usar uma expressão cara a uma das minhas amigas feministas: sempre será preciso dar poder a algum grupo identitário excluído, merecedor de reparação e compensação, em um processo ao mesmo tempo infinito e inócuo, porque reafirma os limites da compensação enquanto os mecanismos de desigualdade e exclusão continuam produzindo potencialmente novos grupos a serem empoderados. Se empoderar não contemplar a própria reflexão da transformação nas formas de poder, apenas repete-se a injunção poder e força sem, a rigor, produzir nenhuma transformação política ou social relevante.
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Por fim, me parece fácil associar as demandas por empoderamento, fortalecimento e reconhecimento social. Trata-se de existir e de se legitimar socialmente, partindo do princípio de que uma política de direitos universais fracassou fragorosamente. De fato, essa constatação é difícil refutar. O meu problema político é como pensar uma política de empoderamento, fortalecimento ou reconhecimento não limitadas a estratégias compensatórias, dessas que permitem às boas consciências – seguindo aqui a ironia do termo em Nietzsche – dormir em paz, enquanto a esquerda tenta “alcançar seus objetivos clássicos de justiça e emancipação por meio do foco na reparação dos horrores do passado”. Para mim, o problema fica ainda mais grave e difícil por que não pretendo desqualificar as políticas compensatórias, mas apenas apontar suas insuficiências.
Compartilho da opinião de que as políticas identitárias chegaram ao mesmo esgotamento que marcam sua origem, ou seja, estariam tão esgotadas quanto já esteve a luta de classes, cujos limites estão muito bem demarcados por Vladimir Safatle. Se o momento político pede o questionamento as chamadas políticas da diferença é por indicar um paradoxo cujos termos são, eles mesmos, políticos: a exigência de primeiro fixar os sujeitos políticos em paradigmas identitários para depois poder empoderá-los ou fortalecê-los. O que só é um problema quando, a partir daí, a roda gira sobre si mesma, e o empoderado de ontem caminha célere para tornar-se o autoritário de amanhã.