A obra mestiça de Nazareth – quatro perguntas para André Mehmari

Quatro perguntas

09.12.14

O pianista André Mehmari está lançando o CD Ouro sobre azul, no qual interpreta composições de Ernesto Nazareth nas 14 faixas. Em março de 2013, por ocasião dos 150 anos do autor de “Odeon”, Mehmari foi convidado pelo IMS para se apresentar na sede do instituto no Rio de Janeiro. O concerto foi o ponto de partida do disco, que traz a marca do músico: um modo extremamente original de tocar, sem se preocupar com ortodoxias. 

“Eu respeito todas as leituras, até mesmo essa, mas confesso que às vezes me incomoda o discurso purista em torno de uma obra mestiça em sua essência. Não são marchas militares, e a ginga é fundamental”, afirma ele nesta entrevista ao Blog do IMS.

1. O concerto que você fez no IMS em março de 2013, nos 150 anos de Ernesto Nazareth, foi o embrião do CD Ouro sobre azul?

Sem dúvida que sim. A “encomenda” do recital me propiciou um mergulho mais profundo na obra do mestre, e 80% dos arranjos foram criados para o concerto. O CD foi gravado poucos dias depois, quando ainda reverberava na minha cabeça a ótima recepção que tive para minhas leituras no IMS.

2. Há quem diga, como José Miguel Wisnik, que você está recriando a forma de se tocar Nazareth. Havia um formalismo, um engessamento na maneira de se apresentar as composições dele, ao menos ao piano?

Existem muitas maneiras de se ler a obra de Nazareth, inclusive aquela que procura reproduzir exatamente a partitura, como se ela fosse uma notação competente daquele acontecimento musical. A notação musical é falha, ainda mais neste caso. Eu respeito todas as leituras, até mesmo essa, mas confesso que às vezes me incomoda o discurso purista em torno de uma obra mestiça em sua essência. Não são marchas militares, e a ginga é fundamental. Esses músicos, da forma como vejo, traem a coisa mais fundamental e linda dessa música: mestiçagem contínua e infinita. Rigor envolto em espontaneidade. Eu sou e sempre serei profundamente fiel a essa característica, levando-a às últimas consequências, fazendo muitas associações com músicas de universo aparentemente distantes.  

Felizmente minhas leituras têm feito sentido pra muitos ouvidos e corações atentos. Não estou sozinho, portanto. Estou comunicando com força total a atemporalidade de sua obra.

3. Depois de se envolver tanto com a obra dele, como você avalia hoje a importância que Nazareth tem para a história da música brasileira?

Trata-se de um dos maiores arquitetos do Brasil que conhecemos e amamos. Entre os músicos daqui, ele é uma figura do porte do Pixinguinha ou do Villa-Lobos. Reconhecido mundialmente. Toco sua obra em todo lugar para todos os públicos: no Japão é sempre uma das coisas mais aplaudidas do recital. Existe uma força muito universal nessa música que, para mim, vem diretamente daquela mestiçagem à qual me referia na resposta anterior. 

4. Em uma das faixas, você une a peça mais famosa de Nazareth, “Odeon”, com uma música de Guinga, “Choro pro Zé”. Há compositores contemporâneos nitidamente marcados pela obra de Nazareth?

Eu sou apaixonado pela música do Guinga e acho que a forma idiossincrática de ele compor ao violão me remete muito ao gestual pianístico nazarethiano. Ecos de Nazareth estão por toda parte, até onde não se imagina. 

No meu arranjo eu sobreponho os motivos principais das duas músicas: do “Odeon” e do “Choro pro Zé”. O Guinga aprovou o arranjo! Acho que o Nazareth ficaria feliz também. 

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