Dia D estátua

Literatura

27.10.15

 

Assim desse jeito – sem pedestal ou pose solene do homenageado –, a estátua de Carlos Drummond de Andrade sentadinho naquele banco de praia na Av. Atlântica não foi a primeira nas calçadas do Rio. Antes dela, no meio do caminho tinha, por exemplo, Noel Rosa numa mesa de bar ao largo do Boulevard 28 de Setembro, na Vila. Quando Drummond cruzou as pernas em definitivo no cenário de Copacabana, perto dali, no Leblon, o bronze do braço esquerdo do colunista Zózimo Barrozo do Amaral já apresentava um brilho diferente, resultado do polimento natural das mãos que desde novembro de 2001 ali se apoiam para alongar o corpo naquele canto da praia.

Inaugurada na véspera do centenário do poeta, em outubro de 2002, a estátua do Drummond não tem nada de pioneira, muito menos a grandeza do Cristo Redentor, mas, tirando o concorrente hors-concours do Corcovado, não há hoje em dia monumento mais popular no Rio. Tem Ele imponente no cocoruto do morro, o Drummond ao nível do mar, e o resto. E olha que, depois do Dia D da estátua (30/10/2002), a cidade incorporou à sua paisagem humana um bom punhado de figuras célebres esculpidas em tamanho natural ao rés do chão.

Nesses últimos 12 anos, quem caminha pelo Rio acostumou-se a esbarrar por aí, entre outros, com Otto Lara Resende e Chacrinha no Jardim Botânico; Ary Barroso no Leme; Dorival Caymmi também na praia de Copacabana, Michael Jackson no Morro Santa Marta; Renato Russo na Ilha do governador, Tom Jobim no Arpoador, Tim Maia na Tijuca, todos viraram ponto turístico, mas só o Drummond do Posto 6 criou com quem passa uma intimidade que extrapola o protagonismo de selfie.

Os flagrantes deste carinho especial de cariocas e turistas com o Drummond de bronze já superam em muito os atos de vandalismo que custam R$ 3 mil à prefeitura toda vez que roubam os óculos do poeta por pura maldade contra o patrimônio público. Numa busca por imagens no Google (confira nas fotos abaixo) destacam-se grupos de moças flertando com o autor do verso ‘amar se aprende amando’, crianças que escalam sua careca como sempre sonharam fazer com a do próprio avô, vizinhos que dividem com ele a leitura do jornal, desvalidos que ali encontram um ouvinte atento, gente que lhe toca o corpo por pura superstição…

Raramente o poeta está sozinho naquele banco como no dia de 1983 em que posou para o fotógrafo Rogério Reis, que o tirou de casa para cumprir uma pauta da revista ‘Veja’ sem, evidentemente, imaginar que um dia o resultado do serviço serviria de modelo à escultura assinada pelo artista plástico Leo Santana. Trinta e dois anos depois do clique, Rogério ainda lembra do diálogo que manteve com o poeta para ajeitá-lo naquela pose. Como bom mineiro, Drummond quis saber: “Por que você está pedindo para eu ficar de costas para o mar?” O fotógrafo explicou que assim o leitor da revista veria o mar”, proposta imediatamente aceita pelo poeta: “Vamos homenagear os leitores, então.” A homenagem, sabe-se agora, estava só começando.

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