“Hollywood vermelha (EUA, 1996. 114’), filme nascido a partir de um artigo de Thom Andersen do mesmo nome, integra a mostra Hollywood e além: o cinema investigativo de Thom Andersen e será exibido na próxima terça, dia 20/9.”. Em cartaz no cinema do IMS-RJ de 15 a 21 de setembro, a mostra conta com 19 filmes entre longas e curtas-metragens que celebram a obra de Thom Andersen, um dos mais importantes cineastas americanos da atualidade, e de artistas vinculados a ele.
Durante a década de 1950 (e durante grande parte dos anos 1960), muitos esquerdistas americanos foram impedidos de trabalhar na indústria cinematográfica de Hollywood. Eles foram semioficialmente colocados em uma lista negra. Homens e mulheres se encontravam nessa Lista Negra (colocada em prática pelos estúdios e sindicatos através do Motion Picture Industry Council) porque haviam sido identificados como membros do Partido Comunista dos EUA por informantes que testemunharam perante o Comitê de Atividades Antiamericanas (um comitê investigativo organizado pela Câmara dos Deputados do Congresso dos EUA) e/ou porque eles se recusassem a renegar suas crenças políticas e associações para se tornarem informantes.
A Lista Negra de Hollywood foi parte de uma purgação política sutil e maléfica que destruiu a influência da esquerda na política e na cultura americana. Essa purgação é hoje chamada de McCartismo, que a condena mas também a torna trivial. O Senador Joseph McCarthy mais tarde se juntou à purgação anticomunista, em 1950, depois de terminar seu principal trabalho, com acusações loucas e geralmente falsas sobre a influência comunista nas relações exteriores e militares dos EUA. E ele a abandonou cedo, em 1954, após seus antigos aliados no Partido Republicano terem-no repudiado. Mas deu à purgação uma aura de excesso, que a permitiu ser assimilada na mitologia padrão da história americana.
Nessa mitologia, condenamos os meios pelos quais a nação foi constituída enquanto celebramos o resultado; honramos as vítimas da história enquanto consolidamos suas derrotas. É assim com a “Instituição peculiar” da escravidão. É assim com a destruição dos colonizadores antigos não europeus do continente norte-americano (as pequenas nações e confederações que um dia foram chamadas de “tribos indígenas” e, mais recentemente, embora não menos preciso , “nativo-americanos” ou “povos indígenas”). É assim com as guerras expansionistas que trouxeram um sudoeste e seus territórios extracontinentais para os EUA. É assim com as repressões políticas preventivas do século XX.
Martin Luther King Jr. é o único americano ao qual um feriado nacional é dedicado. Malcolm X, Frederick Douglass e Paul Robeson aparecem em selos, enquanto os descendentes espirituais de seus inimigos comandam o país. As vítimas da Lista Negra são honradas como mártires heroicos e os informantes desgraçados são odiados, enquanto um dos principais pontos de referência da Lista Negra, e seu mais passional defensor, Ronald Reagan, é eleito presidente dos EUA (seu papel na Lista Negra nunca foi um assunto em suas campanhas políticas).
Então, as vítimas da Lista Negra se transformaram em americanos desaparecidos, como os nobres selvagens e os escravos estoicos, figuras rudimentares em um mito que os idealiza enquanto rebaixa ou ignora seus verdadeiros trabalhos e aspirações. O mito da Lista Negra torna difícil a compreensão do que estava em jogo naquele momento, e o que pode ser ganho agora, a partir de uma reabilitação realista de suas vítimas.
Mais estava em jogo na década de 1950 do que a carreira de algumas centenas de artistas cinematográficos. E a destruição dessas carreiras não foi uma perseguição cruel, sem cuidado e inútil. Foi o resultado necessário de um contra-ataque planejado e executado com inteligência da direita americana para escapar da sombra dos regimes europeus fascistas derrotados e desacreditados.
A linha básica era belissimamente simples: comunismo é o fascismo vermelho. Se essa equação se sustentasse, então toda a energia unida contra os nazistas e seus aliados poderia ser redirecionada contra a esquerda. O prestígio que os comunistas e seus aliados ganharam pela sua luta determinada contra o fascismo poderia ser negado, e uma nova direita poderia ser criada dos restos de formações de direita pré-fascistas. A Grécia era o exemplo. A resistência antifascista seria esmagada, apenas para restaurar uma monarquia decadente.
Então, os Estados Unidos da América poderiam tomar da sitiada Grã-Bretanha o protetorado da nova direita grega, que de fato incluía vários colaboradores nazistas ̶ a Doutrina Truman foi promulgada em março de 1947. Assim, começou uma série sem precedentes de intervenções dos EUA, em guerras civis e eleições estrangeiras, tudo em nome do anticomunismo, amplamente criticadas hoje (enquanto a nova ordem mundial que eles garantiram é aceita com gratidão).
O corolário doméstico da Doutrina Truman era a purgação dos comunistas e de seus companheiros de viagem (quer dizer, pessoas de esquerda que colaboraram com eles de uma maneira ou de outra) de todas as áreas de influência na sociedade americana. Nove dias após o seu clamor por intervenção na Grécia, Truman autorizou uma investigação das associações políticas de todos os empregados civis do governo federal. Essas “revisões de lealdade” eram muito mais extensas do que qualquer uma já feita durante o período de guerras. Até 1956, 2.700 servidores civis foram dispensados, e 12.000 foram forçados a renunciar. Em junho de 1947, o Congresso dos EUA passou o Ato Taft-Hartley, que requeria que todos os oficiais de sindicatos, de presidentes de sindicatos até tesoureiros, assinassem uma declaração oficial dizendo que não eram comunistas – sob pena de perjúrio. O Ato Taft-Hartley teve o efeito desejado de colocar sindicalistas conservadores contra sindicalistas radicais e dar aos conservadores uma vitória pirrônica. Então, em outubro de 1947, o comitê de atividades não americanas lançou publicamente sua investigação sobre a “Infiltração comunista da indústria cinematográfica de Hollywood”, começando, assim, a fase cultural da purgação.
Houve uma prévia em setembro, em que o comitê interrogou o compositor imigrante Hanns Eisler, exilado em Malibu, desde 1941, e autor de trilhas sonoras para oito filmes de Hollywood. Quando informado pelo conselheiro do Comitê Robert Stripling que era considerado “o Karl Marx da música”, respondeu: “eu me sentiria lisonjeado”. Ele foi deportado dos Estados Unidos em março de 1948.
Eisler não foi questionado sobre suas trilhas sonoras de Hollywood, mas, um mês depois, perguntaram a Bertoldt Brecht sobre a letra da “Solidarity Song”, que ele escreveu com Eisler. Brecht foi um dos dezenove escritores e diretores de Hollywood intimados pelo Comitê para responderem a uma simples questão: “Você é ou já foi um membro do partido comunista?” De acordo com o ocorrido, as audiências públicas não foram bem-sucedidas para o Comitê, e foram abortadas, de maneira que apenas onze dessas dezenove testemunhas em potencial foram chamadas para testemunhar. Dessas onze, apenas Brecht respondeu negativamente à pergunta primária do Comitê, , e então foi indagado por quarenta minutos sobre suas peças educativas, mas não sobre seu único roteiro que virou um filme de Hollywood, Os Carrascos Também Morrem (1943), de Fritz Lang. O diálogo deve ter soado extremamente abstrato, uma vez que nenhuma das peças discutidas havia sido apresentada ou publicada nos EUA.
Os outros dez alegaram que perguntas sobre suas afiliações políticas (assim como aquelas sobre sindicalismo direcionadas a alguns deles) anulavam o direito de associação livre garantido pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA. Dessa maneira, eles não eram legalmente obrigados a respondê-las; na verdade, eram impelidos por força de consciência a não respondê-las, para reafirmar a liberdade ameaçada pelo Comitê. Como Ring Lardner Jr. colocou, “Eu poderia responder a essa pergunta, mas eu me odiaria pela manhã.”
O Comitê colocou devidamente nos registros cópias de seus cartões de membros do Partido Comunista, obtidos no “Esquadrão Vermelho” do Departamento de Polícia de Los Angeles, e os acusaram de desobediência criminal ao Congresso. Um mês depois, os financistas que tinham controle total dos estúdios cinematográficos se encontraram em New York City e instituíram uma lista negra contra os “Dez de Hollywood”. O seu porta-voz, Eric Johnston, presidente da Motion Picture Association of America, anunciou a nova política: “Nós vamos, a partir de agora, demitir… aqueles por nós empregados, e não readmitiremos nenhum dos Dez até que seja absolvido ou esteja livre da acusação de desacato e declar sob juramento que não é comunista. Não empregaremos, conscientemente, um comunista ou um membro de qualquer partido ou grupo que advogue a derrubada do governo dos Estados Unidos, por força ou por métodos ilegais e inconstitucionais”.
O Comitê havia vencido, e os estúdios venceram, apesar de terem sacrificado os princípios que haviam proclamado antes das audiências. Em seu depoimento público, Johnston poderia adicionar: “nada subversivo ou antiamericano jamais apareceu na tela”. Na verdade, o Comitê provou ser ineficaz em seus esforços para monitorar o conteúdo de filmes.
Em 1947, os membros de sua equipe haviam recrutado uma testemunha especialista na qual eles não confiavam: a novelista e roteirista Ayn Rand, cuja visão sobre a questão de propaganda era um pouco idiossincrática para o Comitê. Ela havia se preparado para testemunhar sobre dois filmes: Os melhores anos de nossas vidas (1946) e Canção da Rússia (1944), mas foi questionada apenas em relação ao último. Membros do Comitê consideraram politicamente precipitado qualificar como propaganda comunista um filme liberal popular e amado (em março de 1947, Os melhores anos de nossas vidas havia vencido sete prêmios da Academia), especialmente porque nenhum comunista esteve envolvido em sua criação. Rand acreditava que o filme manchava a profissão bancária ao sugerir que, ao considerar pedidos de empréstimo, banqueiros deviam levar em consideração o caráter e o histórico militar dos solicitantes, assim como seus recursos estritamente financeiros. Para uma crente na ideologia “a ganância é boa”, isso fazia total sentido, mas o Comitê sentiu que muitos americanos ainda pintavam sua racionalidade econômica com sentimento, ou, como Rand definiria, sentimentalismo.
Até seu testemunho sobre Canção da Rússia, um musical de propaganda pró-soviética, no período de guerra e escrito por dois comunistas, Richard Collins e Paul Jarrico, que ela considerava um alvo fácil demais, não foi inteiramente bem recebido. Ela ridicularizou o filme por presumir que a felicidade ainda existia na Rússia, pelo menos nos meses antes do ataque nazista. Os figurantes e as “estrelas” estavam sempre sorrindo, e esses sorrisos a irritavam. Ela retomou esse assunto tantas vezes que levantou o ceticismo do membro de uma minoria (isto é, o partido Democrata) do Comitê, que perguntou: “As pessoas nunca sorriem na Rússia?”
Ainda assim, dez almas desafortunadas foram sacrificadas em 1947, e sem dúvida alguma grande parte dos chefes de estúdios esperava que isso fosse suficiente para apaziguar essa inquisição. Por três anos, funcionou. O Comitê descobriu um bode expiatório mais consistente em Alger Hiss, um espião vermelho real (ou assim foi definido por Whittaker Chambers, um verdadeiro intelectual ex-comunista – 65 anos depois, suas alegações ainda são controversas.). O caso Hiss transformou um jovem pouco expressivo chamado Richard Nixon em uma estrela política, enquanto as audiências de Hollywood constrangeram a todos, de ambos os lados (Nixon foi suficientemente inteligente para assumir um papel discreto).
Quando Hiss foi finalmente condenado por perjúrio por negar as acusações de Chambers, o Comitê retomou suas investigações de Hollywood em abril de 1951, dessa vez sem pretensão de expor propaganda comunista em filmes, mas apenas para reforçar uma purgação. Agora, poderia recrutar informantes ex-comunistas para ajudar a legitimar seu trabalho, incluindo um casto Edward Dmytryk, um dos “Dez de Hollywood” originais. Existia uma falsa impressão de que esses informantes estavam providenciando conclusões sobre as operações do partido Comunista em Hollywood, mas o registro das audiências públicas é impressionantemente estéril. O que o Comitê queria, e conseguiu, foi o nome de vítimas para as purgações. Na verdade, quando o Comitê lançou seu relatório final sobre as investigações de Hollywood, não era nada mais que uma lista de nomes, por ordem alfabética, de todas as figuras apontadas como comunistas nas audiências públicas em uma coluna e os nomes de seus acusadores em outra coluna à direita.
Após abril de 1951, a Lista Negra se espalhou rapidamente. Em The Great Fear (1979), David Caute ofereceu uma “contagem de vítimas”: “Aproximadamente 250 foram acusados e 100 colocados sob suspeita… Em meio às testemunhas nada amigáveis da HUAC, 60 ou 70 estavam listadas, enquanto mais de 120, que foram nomeadas mas não indiciadas, também caíram para o submundo. Essas que foram colocadas sob suspeita eram normalmente as vítimas de rumores ou culpadas por associação remota”. Mas, essas eram apenas as vítimas mais proeminentes, o talento “de primeira linha”, na linguagem dos contadores de Hollywood. Sua contagem não inclui os vários trabalhadores especializados, de montadores a cenografistas e pintores, que perderam seus empregos por suas associações políticas ou sindicalistas.
A Lista Negra tocou não só os comunistas e ex-comunistas, que eram suas vítimas primárias, mas toda a esquerda de Hollywood. A maior parte dos liberais de frente popular de Hollywood foi para o exílio externo (com destaque para Chaplin, Welles e John Huston) ou exílio interno. Informantes dispostos a destruir a carreira de outros para salvar suas próprias eram exceções, mas era mais fácil abjurar quando a única lesão feita era a si próprio. Atores proeminentes de esquerda foram levados a assinar seus nomes em confissões escritas por outros, que contavam com títulos como “Como os vermelhos me fizeram de bobo” (Edward G. Robinson, na American Legion Magazine) ou “Eu fui um bobo por levar um gancho de esquerda” (John Garfield, no Saturday Evening Post).
A Lista Negra nunca realmente acabou, apenas suavizou no fim dos anos 1950. Até lá, quase todos os que haviam sido comunistas de Hollywood abandonaram o partido, e estavam dispostos a reconhecer sua desilusão com o stalinismo, apesar de não reconhecer suas atividades e associações com o partido. Para alguns, isso era o suficiente para retornar ao trabalho. Para outros, demoraria mais. Para alguns, era tarde demais. Outros foram banidos até morrer. O nome de Dalton Trumbo retornou às telas em 1960, mas Alfred Levitt ainda teve que empregar um pseudônimo quando escreveu O maravilhoso homem que voou, em 1965 (ele usou o nome de seu jovem filho, Tom August, o que criou confusão quando o estúdio ligou no final da tarde para discutir mudanças no roteiro, apenas para ouvir da mãe do escritor que o roteirista havia ido dormir), e o nome de Levitt nunca mais apareceu na tela após 1953. O nome de Hugo Butler apareceu novamente em 1963; o de Ring Lardner Jr., em 1965; e o de Abraham Polonsky, em 1968, mas a maior parte das vítimas da Lista Negra não teve nenhum crédito após o início dos anos 1950, e os que permaneceram próximos ao partido continuaram banidos até o fim de seus dias.
O que foi perdido na fase das purgações em Hollywood? Para muitos historiadores e comentaristas, a resposta era óbvia: nada. Em Part of Our Time (1955), um ataque agressivo aos comunistas de Hollywood publicado durante o auge da Lista Negra, Murray Kempton escreveu, “quando a sua provação terminou, Hollywood permanecia quase como sempre foi, privada apenas de aproximadamente 300 habitantes… Quando o Comitê de Atividades Antiamericanas veio extirpar… (os comunistas), a única coisa que nenhum dos seus piores inimigos podia dizer contra eles é que deixaram qualquer impressão permanente na tela.”
Julgamentos similares foram então oferecidos na defesa das vítimas da Lista Negra. Em Naming Names (1980), uma denúncia malvada dos informantes, Victor Navasky escreveu: “John Howard Lawson, que comandava a filial de Hollywood (do Partido Comunista), rapidamente entendeu que o processo coletivo de produção de um filme impedia que o roteirista, homem inferior no polo criativo, influenciasse o conteúdo dos filmes.” Lawson escreveu, uma vez, que “O conteúdo dos filmes é controlado exclusivamente pelos produtores…” Navasky, aparentemente, acha que “controle” e “influência” são sinônimos, mas à parte disso, o argumento que ele atribui falsamente a Lawson não faz sentido de cara: se um escritor não influencia o conteúdo dos filmes que ele ou ela escreve, quem influencia? Qualquer declaração de que o trabalho das vítimas da Lista Negra tenha qualquer tipo de distinção, de alguma maneira compromete seu status de mártires totalmente inocentes. Essa é outra manifestação da mitologia peculiarmente americana mencionada anteriormente: a Lista Negra foi cruel, e machucou muitas pessoas inocentes, mas, de alguma maneira, não teve efeito algum sobre a evolução de nossa cultura fílmica.
Uma resposta polêmica é fácil demais. Como o Comitê, eu poderia responder com uma lista de nomes. Se considerarmos apenas diretores, o cinema dos EUA perdeu Charles Chaplin, Orson Welles, Joseph Losey, Jules Dassin, Abraham Polonsky (por vinte anos), Cyril Endfield, John Berry, Herbert Biberman e Berhard Vorhaus, e as carreiras de vários informantes (Edward Dmytryk, Irving Pichel, Robert Rossen) foram atrofiadas ou distorcidas. O “dreno de talento”, que enriqueceu Hollywood na década de 1930 e no início da década de 1940 com refugiados da Europa central, reverteu sua direção.
Hollywood Vermelha proporciona uma resposta mais concreta, mesmo sendo necessariamente parcial. Os filmes extraídos dão uma ideia de como os escritores e diretores listados foram capazes de responder, de dentro do sistema de estúdios de Hollywood, às questões políticas de seu tempo, especialmente aquelas que eles chamavam de “questão da mulher” e “questão do negro”. Comunistas americanos eram excepcionalmente sensíveis à misoginia que dominava a cultura dos EUA, e alguns membros do partido foram expulsos por suas visões retrógradas. Comunistas transformaram Susan Hayworth em um ícone feminista, e deram a algumas outras estrelas femininas seus melhores papéis. Hoje nós podemos notar alguns sinais de progresso: existem mais diretoras trabalhando, mesmo em Hollywood. E alguns sinais de regressão: o número de filmes de Hollywood dirigidos por mulheres diminuiu nos últimos dez anos. Mas, de qualquer maneira, uma colaboração como a do roteirista comunista Paul Jarrico e a diretora liberal Ida Lupino, que produziu Not Wanted (1949) – no meu ponto de vista, a grande obra-prima do neorrealismo freudiano-marxista de Hollywood – parece quase impensável hoje.
Na “questão do negro”, as vítimas da Lista Negra podem ser condenadas hoje apenas pelo seu otimismo, apesar de que, no passado, comunistas eram geralmente condenados pelo seu pessimismo. Terra abençoada (1940), dirigido por Bernard Vorhaus, mostra a crueldade arbitrária da escravidão e a vitalidade da cultura africana transplantada pelos escravos, mas também sugere que um escravocrata benevolente pode gerar escravos felizes. O mundo não perdoa (1949), adaptado por Ben Maddow, a partir do romance de William Faulkner, expôs a lei do linchamento sulista, mas apenas quando ela falha. O primeiro tratamento da justiça sulista em Esquecer, nunca! (1937), escrito por Robert Rossen, parece mais afiado: um ambicioso advogado distrital rejeita a ideia de enquadrar um zelador negro pelo assassinato de uma colegial porque ele “está buscando algo maior”. É melhor enquadrar um judeu. Por outro lado, O clamor humano (1949), de Carl Foreman, é hoje risível porque imagina que o racismo pode ser curado com uma dose de liberalismo terapêutico. Se Homens em fúria (1959), escrito por Abraham Polonsky, reduz o conflito racial a uma dança da morte, nós podemos apenas contestar que a desvantagem está incorreta uma vez que o homem branco morre juntamente com o homem negro.
Substituindo essas duas questões, desde os primeiros dias do Partido Comunista em Hollywood até a época da Lista Negra, estava o problema do fascismo. Os comunistas de Hollywood eram “antifascistas prematuros”, como algumas vítimas da purgação iriam chamar a si próprios; eles se mobilizaram ativamente contra o fascismo europeu do início da ascensão de Hitler e do governo de Mussolini, bem antes da entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial, até mesmo (com algumas exceções) durante o período do Pacto Nazi-Soviético de não agressão (agosto de 1939 até junho de 1941). John Howard Lawson escreveu Bloqueio (1936), um pedido de intervenção americana para salvar a república espanhola. Nathanael West e Samuel Ornitz escreveram It Could Happen to You! (1937), um filme B que ridiculariza um nazista americano que ataca imigrantes do Brooklyn através de uma escola de cidadania que ele comanda como um esquema de proteção. John Wexley co-escreveu Confissões de um espião nazista (1939), uma denúncia contra o grupo pró-nazista germânico-americano e sua ideologia racista. Irving Pichel dirigiu Casei-me com um nazista (1940), o retrato mais detalhado da Alemanha nazista produzido por Hollywood antes de 7 de dezembro de 1941, e Charles Chaplin escreveu e dirigiu O grande ditador (1940), o único filme antinazista desse período, que é relevante até hoje.
Esses estavam dentre os poucos filmes que Hollywood se permitiu produzir, que eram atuais e políticos. Ao contrário da próxima onda de filmes desse tipo, os filmes anticomunistas do fim da década de 1940 e início de 1950 não podem ser recuperados hoje como camp. Isso acontece porque eles pertencem a uma cultura política que sumiu, graças à purgação pós-guerra. Um esforço para recriar isso do nada nos anos 1960 falhou.
A próxima tentativa terá que levar em consideração suas forças, assim como seus fracassos. De qualquer maneira, essa cultura desaparecida deixou mesmo alguns traços.
Eu espero que uma pesquisa fílmica desses filmes feitos nos EUA durante meados do século XX para expor as manifestações contemporâneas de fascismo, racismo, sexismo (e capitalismo) seja relevante hoje, que os filmes sejam capazes de falar de um tempo sombrio para o outro (para citar Brecht sobre Hamlet). Para nós hoje, eles podem parecer hesitantes e inadequados. Ainda assim são cheios de certa confiança que só podemos invejar. Esses tempos modernos eram sombrios e terríveis, mas a realidade só tinha uma voz. Ela poderia ser representada simplesmente ao revigorar modos realistas e naturalistas que tinham longas tradições, pelo menos no meio análogo do romance (a fé na importância do romance no cinema é outro legado perdido nas purgações). O neorrealismo nos EUA foi marginalizado pela Lista Negra e pelo consenso antirrealista que emprestou seu apoio às purgações, mas as primeiras realizações do neorrealismo americano não são menos marcantes porque foram rapidamente esmagadas por uma maré de espetáculos neotradicionalistas ideologicamente seguros.
Hoje nós vivemos em um mundo diferente, e nossas tentativas de entender ou representar parecerão absurdas em breve. Nós podemos chamar nosso mundo de pós-moderno, mas apenas (e precisamente) porque arcaísmos de tempos pré-modernos entraram em erupção através da face da modernidade. Em meio às recrudescências mais significativas e preocupantes estão as mobilizações racistas e anti-imigração que têm ganhado força nas últimas décadas na Europa e nos EUA.
A “velha esquerda” condenou rapidamente as primeiras versões desses movimentos e foi persistente em seus esforços para analisar as fontes de políticas racistas e nativistas. Em alguns momentos os filmes que eles eram capazes de criar dependiam de uma retórica sem substância (especialmente os filmes de combate antinazista da Segunda Guerra Mundial, que necessariamente dependiam de relatos de segunda mão e suposições), e muitas vezes transitavam para um antipopulismo indiscriminado (esse foi o destino de A grande ilusão [1949], de Robert Rossen), mas em outras eram suficientemente afiados para ofender tanto conservadores quanto liberais.
É aqui que esses filmes podem nos falar de maneira mais direta ao lembrar-nos de que movimentos racistas não são restos de formações sociais arcaicas que podemos presumir com segurança que irão desaparecer. Eles são, pelo contrário, fenômenos produzidos pelo sistema capitalista mundial, e irão se intensificar enquanto este se expande e convulsiona.
Meus agradecimentos a Hans Hurch, diretor da Viennale, por sugerir esse programa como uma resposta à ascensão do Partido da Liberdade da Áustria, de Jörg Haider.
Originalmente publicado sob o título “Blacklisted” no catálogo do Viennale [Festival de Viena] em 2000, para a mostra de cinema Blacklisted: Movies by the Hollywood Blacklist Victims, com curadoria de Andersen e Noël Burch; republicado pela distribuidora The Cinema Guild com o lançamento do filme Hollywood Vermelha, em DVD, em 2014. Tradução de Ana Clara Matta, revisão de Gilda Morassutti.
Hollywood Vermelha – Lista de filmes citados (na ordem de aparência):
Johnny Guitar (Nicholas Ray, 1954)
Aventura Perigosa (Edward Ludwig, 1952)
Canção da Rússia (Gregory Ratoff e László Benedek, 1944)
Os Dez de Hollywood (John Berry, 1950)
O General Morreu ao Amanhecer (Lewis Milestone, 1936)
Bloqueio (William Dieterle, 1938)
Missão em Moscou (Michael Curtiz, 1943)
A Mulher do Dia (George Stevens, 1942)
Casei-me com um Nazista (Irving Pichel, 1940)
Seus Três Amores (Garson Kanin, 1941)
Uma Luz nas Trevas (Delmer Daves, 1945)
A Filha do Comandante (George Sidney, 1943)
A Cortina de Ferro (William A. Wellman, 1948)
O Menino dos Cabelos Verdes (Joseph Losey, 1948)
Cruel é o Meu Destino (Lewis Seiler, 1939)
The President’s Mystery (Phil Rosen, 1936)
Raia Miuda (J. Walter Ruben, 1936)
Dez Pequenas para um Homem (Dudley Nichols, 1943)
Comboio Para o Leste (Lloyd Bacon, Raoul Walsh e Byron Haskin, 1943)
Esse Encanto Irresistível (John Berry, 1946)
Corpo e Alma (Robert Rossen, 1947)
Ídolo Dourado (David Miller, 1951)
Amarga Esperança (Nicholas Ray, 1948)
Paixão do Dinheiro (J. Walter Ruben, 1934)
Mulher Marcada (Michael Curtiz e Lloyd Bacon, 1937)
Adolescência (John Farrow, 1939)
Dois Contra o Mundo (Harold S. Bucquet, 1940)
Mulheres de Ninguém (Edward Dmytryk, 1943)
The Magnificent Rogue (Albert S. Rogell, 1946)
Desespero (Stuart Heisler, 1947)
Ambição de Mulher (Michael Gordon, 1951)
Not Wanted (Elmer Clifton e Ida Lupino, 1949)
O Sal da Terra (Herbert J. Biberman, 1954)
Ninguém Escapará ao Castigo (Andre DeToth, 1944)
The House I Live In (Mervyn LeRoy, 1945)
Uma Luz Nas Trevas (Delmer Daves, 1945)
O Clamor Humano (Mark Robson, 1949)
O Mundo não Perdoa (Clarence Brown, 1949)
A Força do Mal (Abraham Polonsky, 1948)
Areia Movediça (Irving Pichel, 1950)
Justiça Injusta (Cy Endfield, 1950)
O Segredo das Jóias (John Huston, 1950)
The Red Menace (Robert G. Springsteen, 1949)
A Cortina de Ferro (William A. Wellman, 1948)
Nuvens da Tempestade (Robert Stevenson, 1949)
Caminhe para o Leste (Alfred L. Werker, 1952)
Sindicato de Ladrões (Elia Kazan, 1954)
Por Amor Também se Mata (John Berry, 1951)
Corpo e Alma (Robert Rossen, 1947)
Willie Boy (Abraham Polonsky, 1969)