Matteo Garrone

Nicola Filardi

Matteo Garrone

Matteo Garrone

Renascimento italiano

No cinema

03.08.18

O cinema italiano já foi o melhor do mundo. Nas décadas de 1960 e 70, além de um punhado de gênios (Fellini, Antonioni, Visconti, Pasolini), a Itália produzia filmes de primeira linha nos mais variados gêneros, da comédia de costumes (Monicelli, Risi, Steno) ao faroeste espaguete (Leone, Corbucci, Solima), do suspense giallo (Bava, Argento) aos policiais políticos (Rosi, Petri, Damiani). Naquela era de ouro, nenhuma outra cinematografia se comparava à italiana em vigor, criatividade, diversidade e alcance popular.

Depois disso, devido a inúmeros fatores, veio um prolongado declínio, mas nos últimos anos notam-se alguns sinais de recuperação, e o cinema italiano volta a ser, no mínimo, relevante. Um panorama do estado atual desse ainda modesto renascimento é a mostra “8 ½ Festa do Cinema Italiano”, que exibe em doze cidades brasileiras, até o próximo dia 8, onze longas-metragens recentes. É provável que mais tarde alguns deles entrem em cartaz no país.

 

Garrone, Amelio, Taviani

Seria impossível falar de todos eles numa única coluna, até porque dois eu ainda não vi (Emma, de Silvio Soldini, e A garota na névoa, de Donato Carrisi). Cabe apenas destacar alguns pontos fortes e tentar detectar algumas tendências ou, pelo menos, recorrências.

Digo logo que, a meu ver, os filmes mais interessantes programados são Dogman, de Matteo Garrone, La tenerezza, de Gianni Amelio, Made in Italy, de Luciano Ligabue, e A casa tutti bene, de Gabriele Muccino. Uma questão pessoal, dos irmãos Paolo e Vittorio Taviani, drama de guerra exibido na Mostra Internacional de São Paulo do ano passado, é um filme menor da dupla de diretores, uma diluição do tema das relações pessoais atropeladas pela brutalidade da história, que eles abordaram com muito mais força em A noite de São Lourenço, por exemplo, ou em Bom dia, Babilônia. Por sua vez, Nico 1988 é uma reconstituição ficcional interessante do final da vida da cantora e atriz Nico, mas tem pouco a ver com a Itália, apesar de ser dirigido por uma italiana (Susanna Nicchiarelli) e ter coprodução da RAI.

O filme de Garrone, que anteriormente realizou os ótimos Gamorra Reality, segue uma linha de realismo brutal que faz fronteira com o sensacionalismo, lembrando nisso o cinema do argentino Pablo Trapero. Em Dogman ele descreve a dominação e humilhação cotidiana de um franzino cuidador de cães (Marcello Fonte) por um ex-boxeador brutamontes (Edoardo Pesce), num balneário decadente da região da Campania. Os ressentimentos e tensões crescem até atingir um paroxismo de violência que beira o humor negro.

A argúcia do filme consiste em espelhar as reações humanas na oscilação entre submissão e ferocidade que caracteriza o comportamento canino. A analogia é discutível, mas desenvolvida com força e eficácia por Garrone. A primeira cena, em que o infeliz protagonista tenta pacientemente dar banho num cão enfurecido, é a senha para o que virá depois.

 

Família em crise

Em La tenerezzaMade in Italy e A casa tutti bene estamos num terreno em que o cinema italiano sempre foi forte, um humanismo não abstrato, atemporal, mas sim histórico, atento às contradições sociais, quase sempre com um final de “esperança apesar de tudo”. Os três, cada um à sua maneira, observam criticamente a situação da família num contexto de crise econômica, social e de valores. Por sua estrutura coral e pela concentração dramática em apenas dois dias, A casa tutti bene lembra algumas obras de Ettore Scola e, em menor medida, de Robert Altman.

A crise da família, ou a família em tempos de crise, aparece também em Fortunata (de Sergio Castellitto), drama de uma mãe solteira (Jasmine Trinca, premiada em Cannes) de uma menina insubordinada, na frouxa parábola edificante La vita in comune (de Edoardo Winspeare) e na comédiaPobres, mas ricos, de Fausto Brizzi.

Este último merece um comentário à parte. Inspirado numa comédia francesa de sucesso (Les Tuche, 2011), o filme obteve um êxito estrondoso na Itália, a ponto de já ter uma continuação (Poveri, ma ricchissimi). Com um humor mais popularesco do que propriamente popular, lembra as atuais comédias da Globo Filmes não só no infantilismo e na grosseria das piadas, mas também no reforço dos estereótipos e preconceitos sociais.

O mote é antigo e surrado (vide a série televisiva norte-americana A família Buscapé): uma família pobre do interior ganha na loteria e vai a Milão “viver vida de rico”. Uma espécie de versão italiana de Até que a sorte nos separe. Só faltam as piadas de peido e o Leandro Hassum. No mais, é o mesmo modo de retratar os pobres como burros, ignorantes e grosseiros. O único personagem não idiotizado da família Tucci é o filho pré-adolescente estudioso. Para se ter uma ideia, só ele sabe o significado de “exilados” e “renda per capita”.

 

Pendor para o melodrama

Além da questão central da família, alguns temas são recorrentes: o desemprego, a migração (para dentro e para fora do país), a decadência material e cultural da Itália. Made in Italy talvez seja o que melhor articula esses diversos problemas, acrescentando os da depressão e do suicídio.

À parte isso, há o crônico pendor italiano para o melodrama (ainda que temperado com humor) e para uma certa breguice (por vezes deliciosa), bem como a onipresença da música. Verdadeiros clipes de canções populares aparecem em vários dos filmes. Bons atores e atrizes também predominam, como sempre, com destaque para o galã maduro Stefano Accorsi, que mostra sua versatilidade em Made in ItalyFortunata A casa tutti bene.

Enfim, se esquecer por um momento a grandeza inatingível de Fellini, Visconti, Leone, Sordi, Cardinale, Mastroianni etc., o espectador tem muito a aproveitar nessa festa italiana. Auguri a tutti.

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