Davis e Crawford em Baby Jane

Davis e Crawford em Baby Jane

Trama, treta, drama

Cinema

11.05.17

Em maio, sempre aos sábados, o IMS-RJ realiza exibições especiais de O que terá acontecido a Baby Jane?, em DCP.  No dia 20, Baby Jane passa em conjunto com os dois primeiros episódios de Feud, série que retrata a disputa de bastidores entre Joan Crawford e Bette Davis durante as filmagens.

 

Eu vi essa cópia nova de O que terá acontecido a Baby Jane? (What Ever Happened to Baby Jane?, 1962), de Robert Aldrich, no Festival de Londres, em 2012, e me chamou a atenção a reação da plateia. Não sei se eu havia construído a minha própria relação com o filme em casa, mas eu me lembrava de um verdadeiro horror movie. Naquela sala de cinema, muita gente parecia rir, e logo descobri que eu também ria, um tipo tenso de riso pós-moderno, uma liberação coletiva de energia humana.

Nessas mais de duas horas de demência, loucura e um high-camp inegável ao ver duas estrelas – Bette Davis e Joan Crawford – se batendo no muque e no baixo astral, um devaneio de tortura amarga com maquiagem teatral, há tanta coisa assustadora e outras engraçadas que fica a certeza da força de um filme moderno que já conta 55 anos. E tudo começa num enervante programa de auditório em 1917.

Re(ver) o clássico de Aldrich hoje sugere acessar essa nossa percepção de um mundo atual fascinado pela ideia de “celebridade” versus “ostracismo”, aqui amplificada pela certeza da decadência, das mágoas trazidas pela fama, pelo tempo e pelo dinheiro, pela competição entre duas irmãs a partir da imagem sinistra de uma velha boneca de olhinhos mortos.

Não é difícil entender o desejo de adaptar a peleja entre Davis e Crawford na série recente Feud (canal FX), de Ryan Murphy, em que as faíscas entre essas duas mulheres de Hollywood viram combustível de trama, de treta, o drama de duas divas (Susan Sarandon interpreta Davis, Jessica Lange, Crawford) causando tensão uma na outra, suas maldades e inseguranças transformadas em barraco-Hollywood de bastidores, uma espécie de glamour do lixo humano.

Tudo muito divertido, claro, mas, para nós aqui no IMS, uma boa desculpa para projetar essa restauração do filme de Aldrich, quem sabe sob uma nova luz. Hoje, claro, sabemos que há um lote de filmes sobre os cacos de quem foi e viveu sob Hollywood, e o filme de Aldrich nos lembra claramente o Crepúsculo dos deuses (1950), de Billy Wilder, indo até o S.O.B. (1981), de Blake Edwards, que aliás, começa na praia.

Curioso também como O que terá acontecido a Baby Jane? integra um lote de filmes realizados em Hollywood num momento em que se promovia uma mudança de tom, com a chegada dos anos 1960, que seria concluída no final daquela década, com a representação do sexo e da violência no cinema. Uma aspereza maior, algo mais perturbador, e o preto e branco, para talvez abstrair o teor mais forte do que os estúdios haviam produzido nos anos 1950 do pós-guerra.

No lote de Baby Jane, é possível elencar A marca da maldade (Touch of Evil, 1958), de Welles, Psicose (Psycho, 1960), de Hitchcock, e, no mesmo ano do filme de Aldrich, Lolita (1962), de Kubrick. Filmes adultos, peças importantes, todos subindo o tom, cientes dos códigos de conduta do mercado ao representar comportamentos humanos, mas já contrabandeando uma franqueza nova, ousadias temáticas e de imagem.

Para um público moderno, bombardeado por TV, internet e até cinema, a vida de Blanche (Crawford) e Jane (Davis) naquela casa de Los Angeles pode parecer comum, trivial. Não é difícil imaginar que Sunset Boulevard esteja longe dali.

O jogo doentio vai crescendo, pequenas armadilhas, idas ao sótão, longas sombras sugestivas, Davis maltrapilha, vestida de boneca (Norma Koch ganhou o Oscar de figurino pelo trabalho neste filme), a dose fabular aumenta a cada cena, Crawford cadeirante talvez não tão longe também da sra. Bates, antes do veneno. E tudo acaba na praia, sob o sol da Califórnia, o fim de uma era encontrando-se com a era dos surf movies. Não é tão engraçado assim, mas poderoso sempre. ■

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