Todas as vezes em que falava sobre a necessidade de tirar o estado do Rio de Janeiro da crise econômica, o economista André Urani dizia: Precisamos salvar o Rio porque não quero ir morar em São Paulo. A blague do ítalo-americano nascido em Turim, que havia escolhido se tornar carioca, vinha de um otimismo desenfreado com o Rio de Janeiro, apesar das inúmeras evidências de que não somos o estado do futuro, como ele gostaria, e pelo qual trabalhou em seus curtos e intensos 51 anos de vida. Somos muito mais marcados pelo passado do que gostaríamos de reconhecer, não apenas pela eterna dificuldade em superar a perda do estatuto de Distrito Federal para Brasília, mas pelo apagamento das razões históricas da formação do atual Estado do Rio.
Criado em 1975 a partir da fusão entre o estado da Guanabara e o antigo estado do Rio de Janeiro – marcado por uma oligarquia rural então decadente –, o estado do Rio de Janeiro tal qual o conhecemos hoje é herdeiro direto da corte imperial, de seus descalabros e excessos, que assolam os cofres públicos até hoje, como mostram os números da operação Fatura Exposta, responsável por desmontar um esquema de corrupção no INTO, o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad. Tudo sob o comando do secretário Sérgio Côrtes, o mesmo que há 10 anos tomou posse prometendo acabar com a corrupção na área da saúde.
Hospital de referência em traumato-ortopedia, o INTO está instalado no número 500 da Avenida Brasil, no prédio onde funcionou e faliu o Jornal do Brasil. Quando foi construído para sediar o JB, o prédio simbolizava a promessa de pujança de uma das muitas ondas de retomada cuja intenção era sempre a de superar a perda de poder e recursos quando a Guanabara deixou de ser Distrito Federal. A este projeto faltava sempre a contemplar o restante do território, o chamado interior, marcado por uma tradição rural e provinciana em nada parecida com a cultura cosmopolita da ex-capital. O prédio da Avenida Brasil 500 sediou um grande jornal, muito antes que as crises – do estado e da imprensa – viessem a lhe transformar num edifício-fantasma.
Quando o prédio começou a ser reformado para abrigar o INTO, parecia ser enfim e mais uma vez a retomada econômica, cultural e política, tanto da cidade quanto do estado. Um dos alvos do desvio de verbas eram as próteses, o que torna a corrupção na saúde perversa de modo muito peculiar. Conforme relatou reportagem de O Dia , a espera por uma prótese para cirurgia no INTO pode levar até 10 anos.
Próteses são definidas como dispositivos implantados no corpo para restaurar uma função comprometida. Na triste história da derrocada do estado do Rio de Janeiro, parece que as próteses usadas até aqui – considerando como origem a fusão imposta pela ditadura militar – foram de todo inúteis. Foi por uma lei complementar – outro modo de dizer que foi por uma lei excepcional – que o general Ernesto Geisel uniu o estado da Guanabara ao estado do Rio de Janeiro, pouco tempo depois da inauguração da ponte Rio-Niterói. Entre as muitas críticas à união entre os dois estados, havia a percepção de que se tratava de uma tentativa de neutralizar o crescimento do MDB, oposição forte na Guanabara, a ser esvaziado pelo poder político da Arena, majoritária no antigo estado do Rio.
A fusão seria uma espécie de prótese, com a substituição de um estado de oposição, a Guanabara, por um estado do Rio que funcionaria melhor segundo os interesses da ditadura militar. Passados mais de 40 anos, coube ao PMDB do governador Sergio Cabral a sangria de 100 milhões de dólares dos cofres públicos, o que levou o estado a ter todas as suas funções comprometidas. Desta vez não há prótese, otimismo à italiana ou projeto de retomada econômica que pareça poder nos salvar.