A antropóloga norte-americana Amber Case afirma que já somos ciborgues, e que nossos celulares, tablets e computadores pessoais, atuam como cérebros externos e bancos de memória. Alguém que, como eu, trabalha com iPhone, iPad, Kindle e notebook ligados ao mesmo tempo, em cima da mesa de trabalho, ao lado de pilhas de livros, não pode negar isso. Quando meu médico sugeriu o uso de substâncias químicas para conter meu déficit de atenção, o que eu fiz? Espalhei minha atenção por tudo, me aceitei como um geminiano distraído, e não me sinto nem um pouco culpado de começar a ler um texto no Kindle, olhar o facebook no iPad, retuitar um link no iPhone e rir de um vídeo no notebook. Mas todos estes equipamentos de nada valem sem conteúdos, e numa sociedade infocrata como a nossa, ter aquele link na hora certa pode fazer a diferença. Confesso que até já pensei em escrever as “Confissões de um comedor de links”, mas sempre me distraio e acabo esquecendo da ideia. Uma coisa de que não esqueci foi “A Vertigem das Listas”, do escritor Umberto Eco, que sustenta de modo pragmático a necessidade de se construírem listas, pois elas ajudaram a moldar a sociedade como a conhecemos. “A lista é a origem da cultura”, diz Eco, que vai além: “Nós também temos listas totalmente práticas – listas de compras, testamentos, cardápios – que, a seu modo, também são conquistas culturais”.
Imbuído desta responsabilidade histórica de listar, peço licença para enumerar alguns links que acho essenciais. E divido a lista por idiomas (sons de violinos), com links em inglês, espanhol e português. E comecemos com a língua de Shakespeare, passando pela de Cervantes e findando com a de Machado de Assis.
Meu reino, meu reino por um link!
E é da terra de Shakespeare que surge este portal magnífico e gratuito, fartamente recheado de ideias, literatura, política e cultura: o LRB, que agrega os trinta anos da revista London Review of Books. São 12.000 artigos, de mais de 2000 colaboradores, como Edward Said e Hilary Mantel, dentre outros. E vamos de Shakespeare para Beckett: “A piece of monologue” é uma peça escrita em 1979 pelo irlandês, mas é também o nome de um dos blogs mais interessantes da net. A piece of monologue é o que se pode esperar de um espaço de cultura nos dias de hoje, uma casa para a literatura, filosofia, artes visuais, cinema e teatro. Falando em Beckett, duvido que vocês já tenham visto essas fotos do Beckett, com ares de Gabeira.
Já em List of note dá para flagrar o Fitzgerald ensinando a fazer um sanduíche, o Einstein provando que inteligência não é sinal de bom senso (ao propor condições bizarras para sua esposa) e Nora Ephron listando o que adoraria perder ou não na vida. Mas você não vai querer perder o A Writer’s Ruminations, para espiar ruminações e documentos de Marguerite Duras, Sylvia Plath, Rilke, Virginia Woolf, Kafka e Margaret Atwood.
A UbuWeb, fundada pelo poeta Kenneth Goldsmith, em 1996, iniciou como um depósito de poesia visual, concreta e sonora, mas com o passar do tempo foi abarcando todas as formas de manifestações culturais. Abastecida com poesia, imagens, filmes e áudios, é um deleite para os apreciadores de coisas boas e raras (muito John Cage, Andy Warhol e Allen Ginsberg). Outro portal indispensável é o Open Culture, com material de primeiríssima: centenas de audiobooks, filmes, ebooks e até cursos de idiomas. Já a WORDS without BORDERS é uma revista literária com um olhar global, de olho nas literaturas de vários países, e na edição deste julho apresenta um dossiê sobre literatura japonesa.
Ufa… E tem o 50 watts, cheio de ilustrações e projetos gráficos de livros? E também grandes revistas e jornais, que alimentam seus conteúdos na rede, diariamente, como o The Guardian, e semanalmente, como New Yorker. E a The Paris Review, conhece? Garanto que sim, afinal, tem uma cacetada de entrevistas com escritores do primeiro time.
Com uma veia mais pop, o norte-americano Flavorwire é mais democrático, também entram quadrinhos, gastronomia, séries, design, televisão e música. O site é famoso por suas listas, geralmente polêmicas, mas sempre divertidas. Há listas para todos os gostos, das dez bad girls da literatura às mais originais pistas de skate do planeta.
Agora chega, Dom Quixote nos chama!
Avante, Rocinante!
No prólogo de “O último leitor”, Ricardo Piglia nos apresenta o fotógrafo Russel, que esconde em sua casa no bairro de Flores, em Buenos Aires, uma réplica da cidade “numa escala tão reduzida que podemos vê-la de uma só vez” e “toda a cidade está ali, concentrada em si mesma, reduzida à sua essência”. A cidade de Russel pode ser uma metáfora da internet, pois achamos que ela está no nosso computador, quando está em toda parte, esta espécie de bumerangue de movimentos infinitos. E falando nisso, o El Boomeran é uma central de blogs, que une dezenas de jornalistas e escritores num só lugar (são todos colaboradores do grupo Prisa). Lá podemos espiar o que andam lendo e aprontando gente talentosa como Patricio Pron, Jorge Volpi e Edmundo Paz Soldán, por exemplo. Aliás, tudo num só lugar é a proposta do escritor Iván Thays, que faz um apanhado dos principais jornais de língua espanhola do mundo, e publica no seu Moleskine Literario. Outro escritor, o argentino Andrés Neuman mantém um espaço de “reflexões dispersas”, o Microrréplicas, e o espanhol Antonio Muñoz Molina dá uma verdadeira aula de crônicas e pequenos ensaios no seu Escrito en un instante. Outro espanhol, o Arturo Pérez-Reverte, compartilha o processo criativo de seu último romance em Anotaciones sobre una novela. Da Colômbia, uma vez por mês a revista El Mal Pensante manda sinais de fumaça, e é possível encontrar desde um texto do Charles Simic sobre a arte de ler no banheiro, até um Guillermo Martínez nervoso, colocando César Aira numa sinuca. A revista mexicana Letras Libres também é garantia de qualidade: que tal ler o premiado Jonathan Littell numa viagem ao coração das trevas, em cidades dominadas pelo tráfico? Ou então uma entrevista com o escritor alemão Peter Stamm?
E todos os domingos, pontualmente às 18h, o jornal argentino Página 12 coloca no ar a versão digital de um dos melhores cadernos de literatura da América do Sul, o Radar Libros. Outro argentino, o La Nación, também defende seu quinhão, e solta toda sexta-feira o variado ADN Cultura.
Mas para quem tem pressa, as atualizações diárias no Cultura El País, do jornal espanhol El País, da Revista Ñ no argentino El Clarín, e o El Mundo Cultura do espanhol El Mundo, passam o panorama da cultura de língua hispânica.
Duvido que Dom Quixote ou Sancho Pança sairiam de casa, com tantos links assim, links capazes de levantar do caixão até nosso querido amigo Brás Cubas, não é, meu caro Machado de Assis?
Enfim, Brasil
“Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte e, quando muito, dez. Dez? Talvez cinco.”
Assim ruminou nosso Brás Cubas, sem imaginar que no ano de 2012 mais de 80 milhões de brasileiros visitariam blogs constantemente. Um mercado e tanto, com milhares de blogs de qualidade, e alguns muito especiais, como estes?
No Traduzir Fantasmas é possível conferir poesias, contos e trechos de romances, todos inéditos no Brasil e traduzidos pelo professor e tradutor cearense Davi Pessoa, além de ensaios sobre teoria da tradução. Wilcock , Pasolini e Macedônio Fernández são presenças constantes no espaço. Falando em tradução, o Não gosto de plágio vai direto ao assunto, e sem papas na língua. É um dos espaços mais corajosos da web, denunciando as picaretagens de várias editoras, como fraudes de tradução, apropriação indevida de direitos autorais e cópias. O blog é abastecido por Denise Bottman, que atua como tradutora de inglês, francês e italiano desde 1985. E um dos espaços mais antenados de poesia é a revista de poesia Modo de usar, editada pelos(as) poetas Ricardo Domeneck, Angélica Freitas e Marília Garcia. E desconhecidos do grande público, como Alan Bigelow, Bénédicte Houart, Vasko Popa e Lyn Hejinian, convivem harmoniosamente com Bertolt Brecht, Ezra Pound e Heinrich Heine. É possível conhecer mais de uma centena de poetas, de todos os cantos do globo.
Outra revista imperdível, gratuita e na rede, é a Sopro, editada por Alexandre Nodari e Flávia Cera. A pequena revista, que se apresenta como “um panfleto”, já chegou ao número 73, com conteúdos tão diversos como Flávio de Carvalho, César Aira, Giorgio Agamben, Lúcio Cardoso, Emanuele Coccia e Juan José Saer, sem esquecer dos brasileiros contemporâneos, como Verônica Stigger e Ricardo Lísias. Um espaço intimista é Um túnel no fim da luz , o blog do Kelvin Falcão Klein, um dos jovens resenhistas mais talentosos do país, que compartilha suas experiências de leitura e crítica, de forma cíclica e aleatória neste espaço realmente impressionante.
Recomendo também A biblioteca de Raquel da jornalista Raquel Cozer, o Livros ETC da Josélia Aguiar e o Todoprosa do jornalista e escritor Sérgio Rodrigues, todos com conteúdo diversificado sobre o mundo das letras. E claro, não poderia deixar de fora o Publishnews, o portal que é referência em conteúdo e difusão no mercado editorial brasileiro, que conta com colunistas tarimbados como Felipe Lindoso e Greg Bateman.
Das notícias para o comércio: e que tal comprar qualquer livro com 30% de desconto? É o que promete a livraria 30porcento, já conhecida dos tuiteiros de plantão. É possivel, por exemplo, comprar “O cavalo perdido e outras histórias” do Felisberto Hernández por R$ 35,70, contra os R$ 51,00 praticados por outras livrarias.
E três escritores contemporâneos brasileiros são blogueiros inveterados: Santiago Nazarian rega constantemente o seu Jardim Bizarro , o Marcelino Freire faz do seu Ossos do ofídio uma verdadeira tribuna, e a Ivana Arruda Leite toca o tresloucado Doidivana.
Ufa, você conseguiu ler este texto até o fim? Meus parabéns, você passou no teste Schroeder de déficit de atenção, e está apto(a) para acessar este link: Domínio Público.
Num trecho divertido de Memórias póstumas de Brás Cubas, nosso herói chega na conclusão que há duas forças capitais: o amor, que multiplica a espécie, e o nariz, que a subordina ao indivíduo. Nos dias de hoje, Machado incluiria a internet também, como força capital, para aí sim, tudo ficar num triângulo (à la Dom Casmurro).
Bom, eu fico por aqui, ou melhor, por aí, na rede.