Entre Orson Welles e a cultura pop – quatro perguntas para Antônio Xerxenesky

Quatro perguntas

01.07.14

Antônio Xerxenesky, autor de F. © Renato Parada.

F, novo romance de Antônio Xerxenesky, tem várias referências pop, das musicais ao perfil da protagonista-narradora, Ana, uma assassina de aluguel. Mas também passeia por clássicos da literatura, como Moby Dick, e pelo cinema de Orson Welles. O ator e diretor norte-americano é figura onipresente na trama, pois Ana se aproxima dele após ser contratada para matá-lo. F (editora Rocco) se passa em 1985, ano da morte do criador de Cidadão Kane.

“Minha vocação, se tenho alguma, é essa: escrever livros divertidos que também tenham outros níveis de leitura”, afirma o gaúcho Xerxenesky, de 29 anos, nesta entrevista ao Blog do IMS. Ele é autor de Areia nos dentes (2008), A página assombrada por fantasmas (2011) e escolhido pela revista inglesa Granta, em 2012, um dos 20 melhores escritores jovens brasileiros.

1. Por que Orson Welles?

Longo e tortuoso foi o caminho da escrita desse livro. Acredita que a ideia começou a se materializar lá por volta de 2010, quando visitei um desses museus marinhos no Uruguai e fiquei encantado com um fóssil gigantesco de baleia? Fiquei pensando que Moby Dick nunca recebeu uma adaptação à altura, que um cineasta grandioso como um Orson Welles deveria ter feito uma. Daí fui pesquisar e descobri que Welles havia levado o livro de Melville ao teatro numa adaptação para lá de incomum. E comecei a investigar mais a fundo a vida do diretor, me dei conta de que ele morreu em 1985 e que seu último filme tinha sido feito 12 anos antes. E aí passei a desenhar em minha cabeça um romance em que Welles tentava adaptar Moby Dick para as telas, como um último desejo antes de morrer. Pois é, muita coisa mudou desde essa ideia original e estapafúrdia para o romance atual. Ainda bem. Eu não conseguiria ter escrito essa história. Precisei reorientar a trama para algo mais próximo do meu mundo, ter uma protagonista da minha faixa etária, enfim, construir alguns mínimos pontos de contato. 

2. Por que 1985?

Depois de me sentir instigado pela figura de Welles e de decidir trabalhar com os seus últimos anos de vida no romance, pensei: humm, ele morreu em 85. E aí comecei a pensar em todo o universo musical dos anos 80 que me fascinava desde a infância (enquanto os meus irmãos eram da turma Nirvana, eu ainda insistia em escutar Tears for Fears). A década de 80 foi esquizofrênica no ocidente: terrivelmente sombria e absurdamente colorida ao mesmo tempo. E pensei então na figura da Welles: nada na sua obra parecia ter a menor relação com a década na qual ele morreu, como se ele tivesse ficado obsoleto. Mas Welles revolucionou o cinema não uma, mas duas vezes, pensei, e comecei a refletir sobre seu último filme, F for Fake, no seu ritmo alucinante e nas suas observações sobre realidade e artifício. Na década de 80, parecia haver uma fixação pelo futuro, em parte pelo surgimento do microcomputador pessoal, e Welles era uma figura imensa, “do passado”, que havia de certa forma previsto o futuro do cinema e mudado os rumos da cultura. Estes são os fios que unem a minha trama, que aproximam 85 de Welles.

Acabo de me dar conta de que, ao responder essas duas perguntas, reconstruí todo o percurso mental que fiz para dar início à escrita de F

3. Você é um escritor marcado pela cultura pop. Ela está no livro, como nas menções a Ian Curtis, mas dividindo espaço com o cinema de Orson Welles e com referências políticas (a tortura na ditadura militar, principalmente). Qual é a importância dela no romance?

É uma boa pergunta. A cultura pop, como em quase tudo que escrevi, é onipresente. Não consigo escapar dela, talvez por viver mergulhado nela no meu dia a dia. Embora eu tenha meu lado “música clássica & alta literatura”, passei a vida toda lendo ficção científica, assistindo a filmes de terror e escutando música pop, e não pretendo parar nunca. Além disso, acho bom emprestar um pouco de cultura pop à minha ficção. Confere certa leveza. Do contrário, temo que ficaria hermética demais, até por causa da minha formação acadêmica na área de teoria literária. Meu primeiro romance, Areia nos dentes, é um caso exemplar: escrevi o livro com a cabeça totalmente mergulhada em Derrida, mas graças à cultura pop, o resultado é um romance divertido e leve, acessível, que pode ser lido por qualquer adolescente que recém saiu de um Jogos vorazes (esse é o público que mais gosta do livro, por sinal).

Minha vocação, se tenho alguma, é essa: escrever livros divertidos que também tenham outros níveis de leitura. Sei que provavelmente nunca ganharei prêmios nem serei considerado Literatura Brasileira Séria, mas cada um faz o que sabe fazer.

4. Se Madame Bovary era Flaubert, o quanto Ana tem de você?

Entre pouco e muito pouco. Ela compartilha algumas opiniões de cinema e música comigo, mas discorda em outras. No entanto, politicamente somos muito diferentes, e o mesmo vale para como ela enxerga relacionamentos.

Enfim, ela é uma personagem. Gosto de pensar que é um romance de imaginação, de que a graça de escrever ficção é justamente o fato de ser ficção, isto é, de eu poder dar vida a novas pessoas, a gente que não existe, de começar a escrever tendo apenas dúvidas e perguntas, não respostas, de não ter um narrador que seja um porta-voz das minhas opiniões, de dar voz a uma assassina de aluguel, de situar uma trama em uma época em que não vivi (não conscientemente, ao menos), em fazer pessoas que não existem caminharem por ruas de cidades que nunca visitei.

 

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