Bling ring – A gangue de Hollywood é o avesso perfeito de Edukators, de Hans Weingartner. No longa alemão de 2004, um grupo de jovens invadia mansões para rearranjar a mobília e deixar mensagens anti-establishment. Para quem não viu, aqui vai o trailer:
http://www.youtube.com/watch?v=NyvcWkTYlN4
No filme de Sofia Coppola os adolescentes invasores só querem mimetizar, embora de modo extravagante e quase paródico, a vida das celebridades em cujas casas penetram.
http://www.youtube.com/watch?v=-I83RwmA6b8
Num caso, o movimento é de negação da ordem vigente; no outro, de integração, ainda que por meio de uma transgressão da lei. Tudo que aqueles garotos da classe média de Los Angeles querem é ser – ou parecer ser, o que dá no mesmo – como seus ocos e descartáveis ídolos. Para quê? Para mostrar aos outros e a si mesmos, num círculo exibicionista (uma das traduções possíveis de bling ring) que se autoalimenta sem cessar.
Baseado num artigo da Vanity Fair sobre um episódio real, Bling ring é filmado com certa objetividade documental, sem julgar os personagens, mas também sem aderir propriamente a eles.
Tudo é imagem
Nessa radiografia de uma sociedade em que tudo é imagem e a imagem é tudo, chama a atenção o astucioso jogo entre os vários meios de captação e exibição: câmeras de vigilância, fotos e vídeos de celular, noticiário de televisão. Mais do que um filme sobre o delírio e a futilidade da fama (algo que o aproximaria de O rei da comédia, de Scorsese, e de Reality, de Matteo Garrone, dentre outros), Bling ring é um estudo sobre o narcisismo, e nisso, de certa forma, dá continuidade a Maria Antonieta, de 2006. Basta pensar na cena em que o protagonista (Israel Broussard) grava os próprios trejeitos com a webcam, ou nos inúmeros momentos em que a turma se fotografa ou filma em baladas e nas casas invadidas.
Em sua narrativa descontínua e só aparentemente aleatória, a diretora acaba por registrar muito do que caracteriza a sociedade norte-americana de nosso tempo: a suprarrealidade criada pelas redes sociais da internet; a mistura entre “espiritualidade”, pragmatismo e autoajuda (expressa pela mãe que educa as filhas segundo os princípios do livro O segredo); a onipresença de câmeras e celulares; a sublimação do sexo no consumo, na moda e no uso frenético de drogas; a identificação entre discurso social e publicidade.
Diálogo com o cinema
De quebra, Sofia Coppola pisca o olho ironicamente para o próprio cinema americano, a verdadeira pátria onde nasceu. Filmando num território povoado de fantasmas de outros filmes que, por sua vez, eram saturados de cinema – de Sunset Boulevard a Mullholand Drive, passando por O jogador e Short cuts -, ela se furta ostensivamente ao clichê hollywoodiano quando, por exemplo, sonega ao espectador as tão celebradas cenas de tribunal. O julgamento dos jovens transgressores é oculto por uma elipse inspirada: a câmera mostra a porta do tribunal sendo fechada por dois guardas para o início da sessão; corta para o mesmo plano dos guardas abrindo a porta logo depois que o martelo do juiz anuncia o final do julgamento.
Bling ring, em suma, pode até não ser um grande filme, mas poucos outros desta temporada dizem tanto, e de maneira tão sagaz, sobre o mundo em que vivemos. E Sofia Coppola faz cada vez mais jus ao ilustre sobrenome que carrega.