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Meu bom camarada Joaquim,
Talvez não exista mesmo amor em SP, como diz o Criolo, talvez exista mas esteja faltando, pelo menos para mim, amigo, que pisei na bola qual um beque de roça, que não ouvi direito a batida daquela porta, que me fiz de galo e cantei de véspera, que me iludi feito um patinho de João Gilberto, que mantive aceso – no claro e no escuro – o Fiat Lux do engano, que te rabisco agora estas linhas tortas, talvez um plágio dos mais epistolares boleros, vida noves fora zero.
Meu bom Joaquim, a gostosa já era, liquefeita escorre com o veraneio das chuvas pelos bueiros das promessas, o tal amor líquido que não dá samba e ainda vira filosofia de caixinha de fósforo, o tal do amor, solavanco na sintaxe, ponto. Bem fazes tu em guardar os segredos de um amor discreto, sem batuque na praça, me ensinas o truque, o dim-dom dos amores possíveis, ensina-me a viver, como num filme triste.
Com licença da palavra, que não cabe na epístola de uma madre superiora, mas, te digo, amigo, foi foda. A nega me jogou do despenhadeiro, de uma torre da Paulista, essa coisa de não haver rede de proteção ou guarda-chuva para o amor, sacas? Eu sei que manjas do risca-faca amoroso. Desse salão, em Sófia ou Madureira, ninguém sai vivo. Bem fazes tu, ô Joaquim, de amar um pouco em silêncio, só no sapatinho da Cinderela.
Não consigo, amigo, lembras? Um dos meus maiores amores acabei, acabamos, na tua frente, era domingo e o cronista da segunda-feira como testemunha em um dia sem sol no Rio de Janeiro. Lágrimas de Ray-ban escorreram no café-da-manhã coladinho ali na Livraria Ponte de Tábuas, no Jardim Botânico, a rua seria a J.J. Seabra? O nome da abençoada era Antonia. O A de amor do alfabeto deste cego de nascença.
A porta, nosso eterno tema, cadê a porta em um amor que acaba a céu aberto, como o que testemunhaste? Havia a porta. Eu provo. Não há amor que acabe sem o teatro dela, a porta. Havia a porta desenhada no asfalto, tipo Dogville, aquele filme-cabeça do cara sem juízo. Discreto, lembro que estavas lá, caro Joaquim, com uma moça bonita.
Amar em silêncio é para os mestres. Eu alardeio feito um galo – o único animal que canta depois que goza e ainda avisa para toda gente da vizinhança. Eu preciso aprender a fumar o king size do abandono. Eu preciso de uma domadora para o meu desespero, amigo, chicote na mão, vestes sado-masochs. Pelo menos uma amizade colorida, jamais tons de cinza.
Falar em desespero, Joaquim, não sei mesmo amar e muito menos sofrer em silêncio. Sofro publicamente, duas ou três coisas que aprendi com Lupicínio e o cinema americano. Sou triste e espalhafatoso, como o velho compositor baiano já dizia.
No que ela, a gostosa, amigo, me acusa. Unha vermelha em riste, em um fio-terra moral nunca dantes: “Só queres o meu amor para escrever essas coisas, não para a gente pensar no futuro”.
Lembrei imediatamente, Joaquim, daquele samba do Gilson, “Poxa”, lembras?, o Zeca Pagodinho também canta. “Por que você não pára pra pensar um pouco?/ Não vê que é motivo de um poeta louco/ Que quer o teu amor pra te fazer canção…”
Lararirará.
Poxa, como foi bacana, que merda.
Ela não vê mais como é gostoso a gente ficar juntos, meu caro. Prometi até levá-la para um final de semana no Rio de Janeiro, tomar umas no botequim Vinte e Oito, sabe quando a gente enche a cara mesmo com um amorzim novo joia rara, tomar aquele porre de felicidade?
Pensei todo o roteiro, que agora é apenas um filme triste na minha cabeça: depois Motel Batuta, ali na Gamboa mesmo, passaríamos na frente da funerária e não diríamos nada, embora eu pensasse algo do tipo morte e gozo têm o mesmo CEP, moram juntos, ô Mr. Postman.
Nosso amigo Plínio, também conhecido antigamente como “Meu Moreno Fez Bobagem”, te encontrou, Joaquim, outro dia, nessa mesma geografia afetiva que me serve hoje de sonho e bolero, sabe aquele futuro do pretérito do qual abusam os jornais sem provas? Seria, faria, teria, amaria, viajaria com ela para o Rio…
Minha gostosa, meu velho, embora muito rica, não passou de uma alegria de pobre. A manteiga beijou o taco muito antes do primeiro tango. Sou um desalmado Alain Delon sem aquele chicletinho que ele mascou na varanda parisiense.
Como vês, Joaquim, minha alegria é triste. Não queria encher o saco do amigo com este rosário de queixas. Paro. Vem aí o Carnaval e a gente nunca sabe como serão as manhãs.
Perdido, no mato sem cachorro, sem mulher e sem GPS, me despeço, carinhosamente, Francisco.
* Na imagem que ilustra a home do post: o disco Pôxa, de Gilson de Souza, citado na carta de Xico Sá.