A experiência radical do mundo – Quatro perguntas a Rodrigo Naves

Quatro perguntas

06.08.12

Rodrigo Naves é, ao lado de Heloisa Espada, um dos curadores da mostra Raphael e Emygdio: dois modernos no Engenho de Dentro, em cartaz no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro. A exposição conta com 100 obras, entre desenhos e pinturas de Raphael Domingues (1912-1979) e Emygdio de Barros (1895-1986) que, diagnosticados como esquizofrênicos, frequentaram o ateliê de artes do Setor de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (STOR) do Centro Psiquiátrico Nacional (atualmente Instituto Municipal Nise da Silveira), no bairro carioca do Engenho de Dentro. Naves é autor do ensaio Emygdio de Barros: o sol por testemunha, incluído no catálogo da exposição, e respondeu a quatro perguntas do Blog do IMS acerca dos artistas.

1) Raphael Domingues e Emygdio de Barros são artistas que foram descobertos no Setor de Terapia Ocupacional criado pela Dra. Nise da Silveira. No ensaio Emygdio de Barros: o sol por testemunha, você sugere que há um risco em dar importância demais a este dado biográfico. Por quê?

O fato de Raphael Domingues e Emygdio de Barros terem passado boa parte de suas vidas em instituições psiquiátricas facilitou o deslocamento de suas obras para uma espécie de terra-de-ninguém, um limbo em que são colocados os trabalhos de loucos, crianças, primitivos etc. Me parece muito precipitado considerar que uma pessoa com problemas mentais necessariamente produzirá obras que estarão marcadas pela loucura ou algo que o valha. Ao contrário, estou convencido que em muitos casos – e penso que esse também era, em parte, o raciocínio da Dra. Nise da Silveira – o trabalho de arte era uma oportunidade para um esforço de estruturação, tanto da psique do indivíduo quanto daquilo que realizava. Seja como for, a despeito do esforço de muita gente e de várias instituições (a começar pelo Museu de Imagens do Inconsciente), os trabalhos de Raphael e Emygdio ainda são insuficientemente conhecidos e, a meu ver, não entraram para nossa história da arte.

2) Emygdio produziu mais de três mil pinturas. Como foi o processo de seleção e curadoria das imagens exibidas na exposição?

Bom, a seleção dos trabalhos foi feita após dias e dias de observação bem detida de todos os trabalhos que estão sob a guarda do Museu de Imagens do Inconsciente. Procurei – dentro dos limites do espaço que tínhamos – selecionar aproximadamente 50 obras que, ao mesmo tempo, tivessem qualidade e que fossem representativas dos diferentes momentos da trajetória do artista.

3) Em seu ensaio incluído no catálogo da exposição, você menciona uma relação entre as pinturas de Emygdio de Barros e Van Gogh. Em que sentido você acha que os dois artistas se aproximam?

Na verdade, vejo mais diferenças do que proximidades entre as obras dos dois, para além de questões de grandeza artística etc. Ambos são coloristas. Mas acredito que o sentido que dão às cores difere bastante, além de ambos terem faturas totalmente diversas. Penso que a força das cores de Van Gogh deriva, sobretudo, de seu esforço para instilar espiritualidade na realidade representada. Nos seus melhores quadros, a fatura massuda – o uso de grossas camadas de tinta, o chamado “impasto” – e luminosa fala de um mundo simultaneamente real, mas transubstancializado pela intensidade das cores: uma reatualização da velha tensão entre espírito e matéria. Só que, em vez de querer sublimar a matéria para que o espírito brilhasse – um esforço que quase levou Michelangelo à loucura -, Van Gogh parece querer dar corpo ao espírito, de modo a transformar a substância da realidade.

Já Emygdio, a meu ver, vai em outra direção. A intensidade de suas pinturas deriva, a meu ver, de uma experiência radical do mundo, da realidade. É como se ele abdicasse de qualquer tentativa de manter o mundo sob parâmetros humanos, dando, assim, lugar para que os elementos se mostrem com uma intensidade incrível. Numa entrevista, fica difícil mostrar mais detidamente essas diferenças. Espero que as análises que fiz no meu texto sejam mais convincentes.

4) Apesar de terem surgido no mesmo contexto, Raphael e Emygdio possuem estilos bastante díspares. Você enxerga pontos de contato entre o estilo dos dois?

Acho que o único ponto de contato entre os dois é o fato de serem dois dos maiores artistas modernos brasileiros.

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