A linha de sombra de João & Aldir

serrote

06.10.11

Qual a anatomia de Maiakóvski, que enlouqueceu e o tornou todo coração, a geografia carioca, pirada, fez da Gávea um vasto subúrbio nas quase duas hAdicionar Novooras de Galos de briga, show em que João Bosco apresentou no IMS o repertório que é uma das melhores traduções da parceira com Aldir Blanc.

Essas doze músicas contam histórias – e não só nas letras de Aldir. É um mundo de rumba e samba, dor de corno e perfume da Coty, jogo de domingo, boias-frias, a raiva e a fome, a marcha-rancho e o samba-canção. É uma cultura de subúrbio, que não se confunde em nada com a (boa) estridência que parte hoje das periferias. É discreta como a marca adquirida em um tombo de patins em Paquetá, é a linha de sombra entre o Rio e o “de Janeiro”.

João é um cantor e um músico estupendo e, também, um grande narrador. Cria com a plateia uma relação tensa e ao mesmo tempo leve, exigente e carinhosa. Sua grande arte é estender o fio que separa o sublime do grotesco, a delicadeza do impropério. Nele, João e Aldir são os equilibristas sem rede, entre Miles Davis e os pivetes da cidade.

A nós, acostumados com a segurança pedestre das calçadas, resta o espanto de ser mandado para o salão de gafieira em “Rumbando”. Ou, assoviando por uma rua deserta em “Vida noturna”, ouvir ele, o homem que somos todos nós, dizer ao garçom: “Eu quero que ela morra”.

Um grande amigo diz que, por via das dúvidas, esse tipo de disco deve ser ouvido no térreo. E foi assim, ao rés do chão, que o ouvimos ontem. Na saída, julguei ter visto uma calçada e, nela, umas vizinhas conversando.

Mas isso, acho, foi na Penha, há muito tempo, num verão qualquer dos anos 1970. E, basta olhar o Google Maps, a rua Conde de Agrolongo é logo ali, onde termina a Marques de São Vicente, ao lado do Estácio.

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