A seção Primeira Vista publica todo mês textos de ficção inéditos, escritos a partir de fotografias selecionadas no acervo do Instituto Moreira Salles. O autor escreve sem ter informação nenhuma sobre a imagem, contando apenas com o estímulo visual. Em dezembro, Cristovão Tezza foi convidado a escrever sobre uma foto de Claudia Andujar, realizada para a reportagem “É o trem do diabo”, publicada na revista Realidade em maio de 1969. Conhecido e premiado por seus romances, Tezza, que acaba de lançar seu primeiro livro de poemas, também decidiu fazer versos a partir da foto.
Os olhos veem e revelam, revelam mais do que veem. Não há o que ver adiante: o passado é o bastante. Poucos gestos incompletos são a moldura do meu dia: mais ripas, janela, braços o branco em falsa geometria o claro escuro da alma que a curva da mão empalma me envolvem, desenlaçados. O barco segue; não eu. Não há o que ver no cinza da manhã — sentir, talvez o repetido futuro ontem que se reflete outra vez – e a luz desvela, sombria o meu idêntico dia.