Doze anos de ênfase e redundância

No cinema

28.02.14

Ao que parece, 12 anos de escravidão é um filme importante, necessário, incontornável. De acordo com historiadores norte-americanos ouvidos pela Folha de S. Paulo, o drama histórico dirigido pelo britânico Steve McQueen é um marco na representação da escravatura e das relações raciais nos EUA.

http://www.youtube.com/watch?v=B2UNiMIxOm0

Mas e em termos de cinema, vale dizer, de criação narrativa audiovisual, como o filme se sai? A meu ver, não muito bem. Uma encenação acadêmica, conduzida com ênfase e redundância, para não dizer com mão pesada, que sugere em alguns momentos uma versão primeiro-mundista das produções da Vera Cruz.

A partir do relato autobiográfico de Solomon Northup (vivido na tela por Chiwetel Ejiofor), cidadão negro livre que foi sequestrado em Washington em 1841 e vendido como escravo para trabalhar nas plantações de algodão do sul, McQueen tinha em mãos um mundo de temas e subtemas interessantes a desenvolver.

Alguns deles afloram brevemente aqui e ali: a vida doméstica e profissional dos negros livres nas cidades do norte (e a consequente formação de uma incipiente classe média negra), os eventuais casamentos entre brancos e negros mesmo no sul escravista, a utilização de trabalhadores brancos livres lado a lado com os escravos nas lavouras de algodão, as relações hierárquicas e de dominação que se estabeleciam entre os próprios negros, etc.

Inventário de atrocidades

Esperar que essas vertentes todas fossem exploradas seria certamente exigir demais de 12 anos de escravidão, como se se tratasse de um Casa grande & senzala do hemisfério norte. Mas o fato é que o filme se concentra, de modo compreensível, no calvário pessoal de Northup durante os seus anos de cativeiro. E tome sinhozinhos e sinhazinhas cruéis, trabalho estafante, humilhações cotidianas, torturas sangrentas. Como se precisasse tudo isso para o espectador se convencer de que a escravidão foi uma aberração hedionda.

Esse inventário de atrocidades, sublinhado o tempo todo pela música pleonástica e pela profusão de sangue e lágrimas, não me pareceu assim tão diferente, em seu arco dramático-narrativo, dos dramas de má-consciência branca do tipo A cor púrpura, Conduzindo Miss Daisy ou Amistad. Ainda que o diretor agora seja negro, está presente a mesma alternância dos sentimentos de revolta e piedade, culminando numa catarse libertadora.

Na abordagem unívoca, inexorável, adotada por McQueen não há espaço para o humor nem para o erotismo. Amor aqui só rima com dor, e as cenas de sexo estão entre as mais tristes do cinema recente. Os corpos – mesmo os mais belos, como o da jovem escrava Patsey (a mexicana Lupita Nyong’o) – só entram em cena para ser feridos, violentados, dilacerados.  Talvez toda essa sádica apoteose expositiva seja necessária. Eu dispensaria. Mas quem sou eu para contestar os historiadores americanos ouvidos pela Folha?

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