Primavera nas telas

No cinema

27.09.11

 

Do ponto de vista de quem gosta de cinema, o Oscar é o de menos.

Mas a relação de títulos que concorriam à indicação brasileira à estatueta de melhor filme estrangeiro deixou muita gente deprimida, e com razão. Foi, com raras exceções, uma safra desanimadora.

A boa notícia é que, enquanto se discutia a tal lista, veio à luz uma leva de boas produções das mais variadas tendências. Algumas delas estão em cartaz em cinemas pelo Brasil afora.

Há desde filmes dirigidos ao grande público, como a comédia de ficção científica O homem do futuro, de Claudio Torres, até um ensaio rigoroso e intimista, na fronteira entre o documentário e a ficção, como Transeunte, de Eryk Rocha. Entre um extremo e outro, o sutil e inclassificável A alegria, de Felipe Bragança e Marina Meliande, filme de extremo vigor criativo e inteligência cinematográfica, e a amarga comédia Riscado, de Gustavo Pizzi, estreante com a discreta segurança de um veterano.

Tudo isso sem falar no extraordinário Trabalhar cansa, que constava, sem chance nenhuma, da triste “lista do Oscar”, e que entra em cartaz na próxima sexta-feira. O longa de estreia de Juliana Rojas e Marco Dutra plasma num suspense algo lynchiano uma contundente leitura crítica do lugar do trabalho em nossa sociedade.

E ainda estão por vir, entre outros, dois filmes que despertam as maiores e melhores expectativas: Heleno, de José Henrique Fonseca, cinebiografia do craque trágico Heleno de Freitas, muito bem recebida no recente Festival de Toronto, e Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, nova parceria do diretor Beto Brant com o escritor Marçal Aquino.

Esta coluna, que pretende abordar o cinema em suas várias manifestações e desdobramentos, saúda esta primavera brasileira e convoca os leitores a experimentar e discutir seus frutos.

 

Cineport

 

A quinta edição do Cineport, festival de filmes de nações de língua portuguesa, reuniu em João Pessoa (PB), ao longo da semana passada, cineastas, atores, produtores e jornalistas de Brasil, Portugal, Cabo Verde, Angola, Moçambique e Guiné Bissau para ver e discutir a produção recente desses países.

O melhor longa de ficção do festival, eleito por um júri luso-afro-brasileiro do qual fiz parte, foi o português Morrer como um homem, de João Pedro Rodrigues, tragicomédia de um travesti veterano chamado Tônia, em homenagem à atriz Tônia Carrero. Filme excepcional, de um equilíbrio ímpar entre a narrativa realista e a potência alusiva, numa fusão improvável de Fassbinder com Almodóvar. Espero que chegue ao circuito comercial brasileiro.

No documentário, embora o ganhador do principal prêmio tenha sido o correto e envolvente José e Pilar, de Miguel Gonçalves Mendes, confesso que o filme que mais me impressionou (e aos demais jurados brasileiros) foi 48, de Susana Souza Dias. Construído apenas com fotos fixas de ex-prisioneiros políticos em diferentes momentos de suas penas, é um registro pungente da devastação causada pela ditadura salazarista (que durou 48 anos) nos rostos de seus opositores. Sobre as imagens, a voz em off de cada personagem conta sua história. Terrível e sublime.

 

* Na imagem da home que ilustra este post: Rodrigo Santoro em cena de Heleno, de José Henrique Fonseca

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