Primeiras incursões

Literatura

28.09.11

Se habitar o rótulo de “jovem escritor” traz uma vantagem, é a seguinte: estou constantemente lendo novos autores. Com alguma frequência abro a caixa de correio e encontro um pacote enviado de algum canto do país: mais um escritor me mandando a sua obra de estreia. Tento ler tudo, mesmo sabendo que é impossível. De qualquer forma, tento. “Se os novos autores não vão ler os novos autores, quem os lerá?”, me pergunto, distorcendo aquilo que a Bensimon uma vez disse: “Só os novos autores leem os novos autores”.

O curioso é que, nos últimos anos, mais do que desenvolver o hábito de ler romances e livros de contos (geralmente o segundo, é raro alguém começar pela narrativa longa) de novatos, comecei a nutrir um prazer específico relacionado a este tipo de obra. Sejamos sinceros: a chance do livro de estreia de um autor ser excelente é muito pequena. São obras irregulares, desajeitadas, inseguras. E, no entanto, possuem um vigor impressionante, exclusivos das obras de estreia. Trata-se de uma intensidade que não encontraremos no “novo romance do escritor consagrado X ou Y”, geralmente porque nos encontramos diante de seres humanos cheios de histórias para contar, não de profissionais já estabelecidos, que ficam cavoucando os recantos da consciência atrás de alguma ideia para narrar em um estilo já pensado e trabalhado. Enrique Vila-Matas conta que ele e Bolaño foram jurados de concursos de contos, e que Bolaño encontrava valor em textos péssimos de completos iniciantes. O autor chileno afirmava que os amadores tinham uma história para contar, a sua história, enquanto os profissionais não tinham nenhuma história.

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De tanto ler obras de estreia, acabei fazendo uma divisão mental de três lugares onde estes livros podem se encaixar. Há, em primeiro lugar, os livros que sabem o que querem dizer, mas ainda não sabem a maneira adequada de fazê-lo. Um exemplo é No shopping, publicado pela carioca Simone Campos aos 17 anos, uma verdadeira explosão formal que dispara para todos os lados. Como Simone seguiu na carreira de escritora, podemos respirar tranquilos, sabendo que ela acabou encontrando o seu estilo. E o melhor: podemos reler No shopping com ainda mais curiosidade.

O segundo tipo de estreia é o oposto: trata-se do livro de um autor que apresenta um domínio formal, mas ainda não sabe o que quer dizer. Um caso impressionante é o de Contos de mentira, da canoense Luisa Geisler, uma coletânea que revela uma autora com um estilo seguro e definido, mas que cada conto parece viver em outro continente. Esta é a única publicação da autora no momento, mas gera uma enorme expectativa acerca do que ela virá a lançar no futuro.

O terceiro e último tipo é o completamente desvairado. Estou falando de obras como Breganejo Blues – Novela trezoitão, de Bruno Azevedo, e Festa na usina nuclear, de Rafael Sperling. São livros que pegam o leitor de surpresa, que puxam o tapete e nos fazem perguntar, quando terminamos a leitura: “O que diabos foi isso?”. Não faço ideia do que esses escritores farão no futuro, mas desejo boa sorte.

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É claro: ao ler estas obras, sempre finjo que eu nunca publiquei nada, afinal apenas cinco anos e dois livros me separam de minha estreia na literatura. Tento não classificar meu primeiro livro em nenhuma dessas categorias. Na maior parte do tempo, até esqueço que ele existe. Da mesma forma como costumo ignorar minha produção ficcional ao resenhar outros livros. E, no entanto, tais coisas são inescapáveis. Seria eu tão condescendente com obras de estreia se não tivesse, algum dia, passado pelo drama de enviar meu livro pelo correio para todo mundo que conhecia? Se não tivesse sofrido com a expectativa das prováveis críticas? Se não tivesse passado um dia inteiro deprimido quando me deparei com a primeira resposta negativa? Não sei.

Passaram-se apenas cinco anos, mas parece que aconteceu tanta coisa nesse pequeno espaço de tempo. Sei que estou longe de ser um autor experiente capaz de dar conselhos, e, ao mesmo tempo, sinto o impulso de querer carregar alguns estreantes pela mão, oferecer recomendações bobas como: “não se deixe levar pelo deslumbramento”, “leia isso e aquilo”, “não se leve tão a sério”, “aprenda a lidar desde cedo com críticas negativas”. Mas tentarei me conter. Não estou apto para orientar ninguém. Encerrarei o texto, portanto, com um conselho que recebi de um amigo muito mais experiente: “Recuse todos os atalhos”, disse Paulo Scott. É isso aí. Boa sorte a todos.

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