Dominique K/Flickr

Saturação nossa de cada dia

Vida Contemporânea

19.06.17

A palavra saturação tem múltiplos usos. Além dos sentidos mais comuns – cheio, repleto, cansado –, também pode ser aplicada na medicina, onde diz respeito ao nível de saturação de oxigênio no sangue, ou nas cores que, quanto mais saturadas, mais se aproximam da cor pura. É assim, como uma cor muito  saturada e, por isso, quase ofuscante, que tenho passado os dias, as semanas e talvez os meses, cansada e repleta de estímulos que, por excessivos, já não me dizem mais nada.

Por excesso de estímulos não me refiro apenas a esta estranha forma de socialização via redes sociais, em que diariamente pessoas ou algoritmos, indiscriminadamente, nos oferecem aquilo que não queremos, mas que deveríamos passar a querer no momento em que foi oferecido. Já são quase dez anos como usuária do Facebook e seus inúmeros truques. Também não penso apenas no excesso de comunicação via mensagens de texto, como se não tivesse havido vida antes da invenção do Whatsapp e seus grupos, repletos de debates estéreis ou histéricos, e aqui a homofonia quase perfeita leva também a uma sinonímia quase perfeita.

No meu cotidiano, a ideia de saturação foi se constituindo aos poucos. Fui me dando conta de que estava saturada de ruídos – as máquinas que falam, os sistemas de atendimento e seus malditos assistentes virtuais, as buzinas dos carros, a música ruim em todos os lugares (havia um tempo que tocavam só nos elevadores, hoje estão nas calçadas dos shoppings, nas lojas, onipresentes em péssima qualidade e muito barulho) – e de imagens sem ou com movimento. São inúmeros os vídeos que mal e mal consigo ver, e todos apelam para a velocidade: “em apenas alguns minutos…” você vai saber tudo que precisa sobre alguma coisa que, na verdade, você nem pensava em saber antes da aparição deste vídeo.

Talvez a minha saturação tenha se agravado quando o Facebook inaugurou aqueles fundos coloridos para frases curtas, que transformam textos em imagens, a maioria de mau gosto, fundos chocantes com letras pretas ou brancas. Se o mundo insiste em se apresentar para mim como imagético, pelo menos poderia ter alguma qualidade estética.

A saturação visual vem acompanhada da saturação de informações. A fim de tentar organizar a entrada de notícias, passei a assinar uma newsletter. Em pouco tempo, acabei aderindo a mais duas. Agora já são três leituras, e o que havia chegado para me poupar de sair procurando notícias se tornou de novo um excesso de notícias na minha caixa postal. E, claro, estou saturada de notícias ruins, a me dizer todos os dias que estamos num beco sem saída, produzindo paralisia e melancolia.

O resultado da saturação, pelo menos para mim, tem sido frequentemente optar pelo seu oposto, a falta. Se o excesso é insuportável, então tenho achado melhor não saber, não ler, não clicar, não comentar, não curtir, não aceitar, não…São os inúmeros “preferia não” de todos os dias, consequência da minha reação talvez exagerada ao excesso de ofertas.

Diante de tanto a fazer, ver, ouvir, participar, comentar, é cada vez maior o número de pessoas que prefere ficar em casa, cansadas dos estímulos da rua, protegidas se não do ruído insuportável dos sons ao redor,  pelo menos numa atitude de resistência contra a relação quase instantânea entre oferta e demanda. Saturação das leis de mercado, que invadiram os lugares mais recônditos da vida contemporânea e nos impregnaram de expressões como “relação custo-benefício” como critério de avaliação para quase tudo.

É nesse contexto saturado que até a indignação perdeu a força, porque estamos também saturados da violência, do escárnio, do cinismo, da manipulação e das mentiras que, na era da pós-verdade, parece normal nos contarem todos os dias. Não bastasse termos sido saturados por mentiras, agora estamos também saturados de verdade.

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