Passageiro do fim do dia (Companhia das Letras), o oitavo livro do escritor carioca Rubens Figueiredo, cuja primeira obra foi lançada em 1986, já detem o posto de romance brasileiro mais premiado do ano. Vencedor dos prêmios São Paulo de Literatura e Portugal Telecom, o livro trata, com estilo enxuto e objetivo, da trajetória até um distante bairro na periferia de uma grande cidade, onde o protagonista em longos solilóquios passa em revista a sua vida e sua atual condição. Além de romancista, Rubens, que já ganhou dois Prêmios Jabuti, também se destaca como um dos mais importantes tradutores brasileiros contemporâneos. É ele o responsável, por exemplo, pela nova tradução de Guerra e paz, de Tolstoi, recém-publicada no Brasil pela Cosac Naify. O autor respondeu a quatro perguntas do blog do IMS.
Passageiro do fim do dia se tornou o romance brasileiro mais premiado de 2011. Você se sente de alguma forma cobrado em relação às obras futuras, a cumprir expectativas que os prêmios geralmente criam nos leitores e editores?
Não me sinto cobrado. No meu caso, se me sentisse assim, não haveria a mínima chance de escrever nada. Prefiro encarar os prêmios como um incentivo, já que os incentivos são escassos em nossa atividade. As expectativas não estão entre as motivações para escrever, no meu caso. Parece que eu escrevo quando as experiências, as observações e os questionamentos que, com o tempo, vão se formando na minha cabeça alcançaram alguma densidade, tomaram uma espécie de forma mais delineada. Aí sinto a pressão para escrever e tentar dizer o que estou vendo e pensando.
Como você se apresentaria para um leitor que chegasse aos seus
romances agora atraído pelos prêmios que Passageiro ganhou? Em que tipo de literatura o senhor vê a sua obra encaixada?
Talvez como um escritor que se preocupa menos com o que é ou deve ser a literatura tomada isoladamente, e mais com o que se pode dizer, com os recursos próprios de um romance, a respeito da sociedade em que vivemos.
Passageiro tem um viés político entranhado na narrativa, na medida em que trata do cotidiano que é comum a milhares de brasileiros e os problemas enfrentados por essas pessoas, seja de infraestrutura e até de perspectiva de vida. O que você busca ao se deter sobre esses aspectos?
Talvez a premissa seja que um romance, ou um conto, faz parte do nosso esforço geral de conhecer e compreender nossa vida, de investigar como se constituem as relações sociais e como esses mesmos processos afetam nossa percepção dessas relações. Tudo isso pode ser questionado em ações e gestos cotidianos, tidos a princípio como banais e irrelevantes.
Nos últimos anos, autores russos, dos quais o senhor é tradutor dos mais respeitados, têm sido amplamente recebidos no Brasil, criando uma espécie de onda até então inédita. Ao que você atribui esse movimento?
Acredito que a literatura russa tem muito a nos dizer porque tem uma diferença de fundo em relação à literatura que se consolidou nos países ricos ao longo do século vinte. A literatura russa se relacionava com a sociedade de uma forma drasticamente diversa da forma que nos habituamos a ver como natural. Eram obras que se inseriam menos na literatura, como instituição ou mercado, e mais num debate ou numa polêmica vigorosa, disseminada pela sociedade russa, acerca dos destinos do país. Assim a dinâmica dessa polêmica e das transformações sociais em curso penetrava a fundo na concepção e na composição daquelas obras. Da perspectiva de tais obras, podemos ver de um ângulo diferente os processos que produzem e reproduzem nossa sociedade. Uma perspectiva mais aberta a questionamentos e portadora de uma crítica bem menos temerosa e acanhada.