Firme no Leme

Literatura

06.06.16

Que se cuide o Carlos Drummond de Andrade sentadinho naquele banco quase na outra ponta de Copacabana. Em pose parecida com a do poeta – de pernas cruzadas e de costas para o mar – Clarice Lispector também ganhou réplica em bronze acomodada na mureta do Leme. E logo nos primeiros 20 dias integrada à paisagem, a primeira estátua de artista mulher no Rio, se não chegou a superar, deve ter igualado o recorde de Drummond em número de selfies com passantes.

Rio de Janeiro - Estátua da escritora Clarice Lispector e seu cão Ulisses no Leme. (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Assim como Drummond, que escolheu Copacabana para passar as últimas duas décadas de vida, Clarice também tem identidade com a vizinhança: a autora de A hora da estrela e A paixão segundo G.H  morou no Leme durante 12 anos. O bairro da ponta da praia mais próxima do Pão de Açúcar serve, inclusive, de cenário a uma de suas crônicas. Morte de uma baleia (extraída do livro A descoberta do mundo), com leitura de Julia Menezes, foi escolhida para trilha sonora do vídeo de Laura Liuzzi protagonizado pela estátua de Clarice Lispector, com participação especialíssima de Ulisses (o cachorro da escritora também ganhou versão de bronze aos pés dela), além de dezenas de figurantes que no domingo 22 de maio, entre 16h30 e 18h (período em que a câmera de vídeo esteve ligada), interromperam suas caminhadas para contracenar com as esculturas até o cair da noite.

A idéia da homenagem carioca a Clarice Lispector não saiu de nenhum gabinete político de olho grande no imenso sucesso da autora nas redes sociais. A proposta partiu de uma sugestão da professora de Literatura Teresa Monteiro, que também é biógrafa da escritora, e ganhou força com a adesão da atriz Beth Goulart, que representou Clarice no teatro.

O dinheiro necessário para a empreitada nasceu de outra iniciativa original: para bancar a obra que topou projetar na mureta do Leme, o artista plástico (além de músico) Edgar Duvivier criou 40 miniaturas de 30 cm da escultura de Clarice com seu cachorro, cada uma delas vendida a título de cota de patrocínio por R$ 2,5 mil a admiradores da escritora.

Duvivier é militante da moderna arte monumento no Brasil. São dele, entre outras, as estátuas de Oscar Niemeyer e Juscelino Kubitscheck dividindo assento em mureta de Niterói; a de Guimarães Rosa no Palácio das Artes, em Belo Horizonte; a da Princesa Isabel, em Copacabana; e as de Nilton Santos, Jairzinho, Garrincha e Zagallo, no Estádio Engenhão, no Rio.

Esta da Clarice e seu peludo Ulisses recém-inaugurada no Leme se junta nas ruas do Rio a um time cada vez maior de artistas e intelectuais modelados por outros escultores em situações que, em comum, dispensam pedestal ou pose solene do homenageado em tamanho natural nas calçadas da cidade. No Leme, por exemplo, o bronze de Ary Barroso sentado à mesa de calçadão defronte ao tradicional restaurante Fiorentina já apresentava aquelas manchas douradas polidas pelo tempo quando Clarice chegou mês passado (15 de maio) novinha em folha ao final da praia. No outro extremo, Dorival Caymmi divide com Drummond o caminho de pedras portuguesas junto às areias do Posto 6.

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Mais: Otto Lara Resende e Chacrinha estão a 50 metros distantes um do outro no bairro do Jardim Botânico. Tem Michael Jackson no Morro Santa Marta, Renato Russo na Ilha do Governador, Tom Jobim no Arpoador, Tim Maia na Tijuca, o jornalista Zózimo Barrozo do Amaral no Leblon – pequenos pontos turísticos que se multiplicam na paisagem cultural carioca.

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