Quem resiste a ver um filme chamado Copacabana e estrelado por Isabelle Huppert? Em todo caso, eu não resisti.
O filme de Marc Fitoussi pode ser definido como uma agradável crônica de costumes sobre Babou (Huppert), uma francesa de meia-idade em permanente desajuste com a sociedade capitalista globalizada. A história se passa no norte da França e no balneário de Ostende, na Bélgica. E onde entra a Copacabana do título?
Aí é que está o que, pelo menos para nós outros, brasileiros, torna o filme mais do que um mero veículo para o talento cômico e dramático da atriz, que aqui contracena com sua própria filha, Lolita Chammah.
Num mundo frio e inóspito, de regras que ela não respeita e de gente com quem ela não simpatiza, Babou fantasia um Brasil ensolarado e feliz. Um país que não existe, por supuesto. Um imaginário ponto de fuga, construído à base de folhetos de turismo e canções de Jorge Benjor, Astrud Gilberto e Marcos Valle.
Reserva afetiva
No cinema norte-americano e europeu, o Brasil já foi refúgio de criminosos e paraíso erótico. Terra sem lei e sem pecado, lugar onde impera o princípio do prazer, onde o juízo moral está suspenso até segunda ordem.
Em Copacabana, não é bem isso o que acontece. O Brasil sonhado por Babou não é o da impunidade nem o da permissividade sexual, mas sim uma espécie de reserva de afetividade, como se esta estivesse – e talvez esteja mesmo – em extinção no planeta. O que ela busca, de certo modo, é o “homem cordial” tal como definido por Sérgio Buarque de Holanda, aquele que se pauta mais pelo coração do que pela razão, mais pelo “jeitinho”, pelo “jogo de cintura”, do que pelas normas impessoais da sociedade moderna.
É como se Babou acreditasse na célebre frase de Maiakóvski: “Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz”. Mais do que numa paisagem exuberante, é na existência desse homem que ela aposta.
Não deixa de ser significativo que um filme com tal enfoque apareça num momento em que a Europa globalizada, em profunda crise, desce pela primeira vez do pedestal do etnocentrismo e começa a admitir a possibilidade de receber ajuda dos “feios, sujos e malvados” de ontem (leia-se os países do chamado Bric: Brasil, Rússia, Índia e China). Veja abaixo o trailer:
Film commission
Se a imagem do Brasil no mundo depende muito dos filmes estrangeiros realizados total ou parcialmente aqui, é evidente a importância das film commissions – agências encarregadas de fornecer as condições logísticas, técnicas, legais e políticas para as filmagens.
Confesso que, talvez por uma antipatia renitente e démodé à hegemonia cultural norte-americana (outrora conhecida como imperialismo), fiquei um tanto chocado ao descobrir que o presidente da Rio Film Commission, criada em 2009 como uma parceria da RioFilme com a Secretaria da Cultura do Estado do Rio, é ninguém menos que Steve Solot, que foi durante muito tempo o representante da MPAA (Motion Pictures Association of America) para a América Latina.
Talvez seja por isso que, entre as últimas produções com apoio da Rio Film Commission (ou seja, apoio estatal) estejam títulos como Velozes e furiosos 5, Os mercenários de Silvester Stallone e Saga Crepúsculo: Amanhecer. É o que antigamente se descrevia como “colocar o lobo para cuidar do galinheiro”.
* Na imagem da home que ilustra este post: Lolita Chammah e Isabelle Huppert em Copacabana, de Marc Fitoussi