George Clooney: política é o fim?

No cinema

24.12.11

Para Hollywood, não é de hoje que a política é o fim. Não me refiro aos anos negros do marcarthismo, nem aos astros que viraram políticos de direita, como Ronald Reagan e Arnold Schwarzenegger, mas aos filmes propriamente ditos. No cinema americano, a política é um terreno sujo onde os maus entram para se dar bem e os bons se dão sempre mal, enredados numa teia infernal de compromissos, concessões, meias-verdades, intrigas e traições.

Esse paradigma – com perdão da má palavra – vem pelo menos desde Mr Smith goes to Washington (1937), de Frank Capra, passa por Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, e All the king’s men (1949), de Robert Rossen, para desembocar no excelente e pouco visto Power (1986), de Sidney Lumet, e em Tudo pelo poder, de George Clooney, que acaba de entrar em cartaz.

O primeiro mérito de Clooney é o de mostrar, no seio de uma indústria cinematográfica cada vez mais infantilizada e descerebrada, que ainda é possível fazer um filme eletrizante em que não há um único tiro, uma única perseguição de carro, uma única explosão, uma única troca de socos.

Nesta história de um jovem e talentoso assessor (Ryan Gosling) de um pré-candidato democrata à presidência dos EUA (Clooney), toda a tensão se concentra nos pequenos e grandes dilemas morais que se apresentam aos personagens a cada momento. Não por acaso, na decupagem das cenas, há uma predominância de closes de rostos cobertos parcialmente pela sombra. Cada face é um mapa de dúvidas e contradições.

Ator competente, George Clooney escolheu a dedo seus colegas (Philip Seymour Hoffman, Paul Giamatti, Marisa Tomei), todos eles capazes de expressar com sutileza o jogo de revelação e ocultação em que consiste a selva da política. Do roteiro cerrado à dramaturgia contida, dos diálogos tensos à atmosfera sombria, tudo gira em torno da ideia da traição – sugerida desde o título original, Ides of March (“Idos de março”), que faz referência ao assassinato de Julio Cesar, em 44 a.C.

Traição em suas múltiplas formas. Do homem que engravida a jovem amante e tira o corpo fora ao político que se alia a seu inimigo (e inimigo do povo) em busca de votos, não há gradação moral: trair é trair. Mas Clooney não é bobo, nem carola, e seu filme não perde de vista a dimensão histórica, cultural e política da ética. A certa altura o jovem assessor diz a seu patrão e ídolo mais ou menos o seguinte: “Na América, um presidente pode bombardear cidades, matar inocentes, arruinar a economia e o meio ambiente, jogar milhões no desemprego. Mas não pode, de modo algum, transar com uma estagiária”. Clinton que o diga.

Claro que Clooney não subverte os cânones da narrativa clássica, mas seu cinema não é desprovido de voz própria, de estilo original. Algumas cenas são admiráveis por sua expressividade plástica e dramática. Um exemplo: a sequência inicial, em que o jovem assessor, em primeiro plano, dá a impressão de ser um candidato falando diretamente a seus eleitores. A câmera se afasta, outros ângulos são mostrados, vemos então que se trata da preparação de um auditório para o discurso ou debate que o verdadeiro candidato fará horas depois. Mas a ideia do assessor encarnando os ideais de seu ídolo ficará retida na memória do espectador.

Outro exemplo: o plano em que, nos bastidores de um debate, o jovem assessor conta a seu chefe imediato (Philip Seymour Hoffman) a conversa que teve com o assessor (Paul Giamatti) do candidato rival. Depois de tomar uma descompostura, o rapaz fica sozinho, mudo e perplexo, atrás de uma imensa bandeira norte-americana, sua silhueta recortada na contraluz, no canto do quadro. Ao fundo, ouvimos o discurso triunfalista do candidato. O pequeno e o grande, a dimensão histórica e a pessoal, a tragédia e a ironia, tudo isso condensado numa cena breve e memorável.

Para terminar, um trecho de Mr. Smith goes to Washington (lançado no Brasil com o infame título A mulher faz o homem), em que Frank Capra, falando pela boca do extraordinário James Stewart, defende a beleza de lutar pelas causas perdidas.

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