Na correria entre um filme e outro da 35ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, observações esparsas sobre alguns dos filmes vistos até agora:
Um mundo misterioso
No longa do argentino Rodrigo Moreno (o mesmo de O guardião, exibido na Mostra de 2006), um jovem leva o fora da companheira e passa a vagar por uma Buenos Aires periférica e suja (certas cenas até parecem filmadas em São Paulo), ora a pé, ora num carro velho de fabricação romena.
O andamento deambulatório, em que os aparentes “tempos mortos” têm a mesma duração e densidade dos acontecimentos decisivos, faz lembrar outros notáveis filmes recentes, como o uruguaio Hiroshima, de Pablo Stoll, e o brasileiro Hotel Atlântico, de Suzana Amaral (o melhor dos três).
Belíssimo representante da nova onda argentina, tomara que entre logo em cartaz nos nossos cinemas. Aqui o trailer:
Marighella
O documentário de Isa Grinspum Ferraz, sobrinha de Carlos Marighella, é um retrato biográfico-afetivo do célebre militante comunista, figura legendária da história política do país.
A inexistência de imagens em movimento de Marighella é compensada por um farto e bem montado material de arquivo e pelos excelentes depoimentos de personagens que conviveram com o biografado.
O impacto tremendo do filme poderia ser ainda maior se os depoimentos pessoais da diretora, ditos em off, não fossem acompanhados por uma música sentimental, se o tom geral não fosse de hagiografia e se não houvesse imagens “poéticas” de gosto duvidoso, como a estatueta de um santo guerreiro explodida e reconstituída em câmera lenta.
Não era preciso “perfumar essa flor”, como diria João Cabral de Melo Neto. A trajetória de Marighella já é épica e trágica o suficiente para comover até os corações mais empedernidos.
Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios
Este ficou para o fim porque é o mais difícil de comentar, pelo menos para mim, que admiro profundamente o cineasta Beto Brant (aqui dividindo a direção com o produtor Renato Ciasca) e seu velho parceiro Marçal Aquino, autor do romance homônimo que inspirou o filme.
Pela primeira vez um filme da dupla (ou do trio) me decepciona. A história é ótima: um triângulo amoroso entre um jovem fotógrafo (Gustavo Machado), uma ex-prostituta (Camila Pitanga) e um pastor evangélico de meia-idade (Zecarlos Machado) em plena selva amazônica. O pano de fundo: desmatamento, luta pela demarcação de terras indígenas, conflitos fundiários. Aqui o trailer:
O problema, grosso modo, é que as duas dimensões – o drama passional dos protagonistas e o contexto político-social – parecem se sobrepor ao em vez de se entrelaçar organicamente. Um incômodo adicional é certa disparidade entre os atores, ou, mais precisamente, entre Camila Pitanga e os outros.
A linda atriz faz um esforço tão grande para ter uma grande atuação que o que acaba mostrando é mais isso mesmo, o esforço, do que um bom resultado. Não poderia ser maior o descompasso de seus clichês televisivos com a performance minimalista de Gustavo Machado e a dicção troante (perfeitamente adequada ao papel) de Zecarlos Machado.
Claro que há momentos muito fortes e opções certeiras – em especial o contraste entre o fluxo plácido, constante, do rio caudaloso e os violentos sobressaltos da ação que se passa às suas margens. Digna de nota também a atuação de Gero Camilo como um culto e ferino colunista social, quase um dândi gay no meio da mata.
Mas de Beto Brant e Marçal Aquino a gente sempre espera mais.