Marshall McLuhan (1911-1980)

Marshall McLuhan (1911-1980)

O meio ainda é a mensagem

Vida Contemporânea

18.06.18

Domingo, depois de 1h30 de silêncio profundo na vizinhança compenetrada na estreia da seleção brasileira comandada por Tite na Copa do Mundo, e apesar do empate – ou por causa dele –, pude confirmar uma das minhas observações diárias sobre a forma como usamos o Whatsapp, esse aplicativo de conversas instantâneas com 120 milhões de usuários no Brasil e 1,5 bilhão no mundo. Durante o jogo, não recebi nenhuma mensagem. Suponho que tenha sido porque, enfim, havia algo de mais importante acontecendo.

Quando, em 1967,  o canadense Marshall McLuhan escreveu O meio é a mensagem em coautoria com Quentin Fiore, estava dizendo que o meio pelo qual passa a comunicação não é um mero canal de transporte, mas um elemento que participa do modo como essa comunicação se dá. Em sua primeira formulação, havia um certo caráter determinista que depois muitos vieram a criticar. Mais de 50 anos depois, o que permanece e se atualiza como diagnóstico é a percepção de que não há mediação neutra, inócua ou transparente. De formas distintas e nem sempre previsíveis, o meio altera, modifica e influencia nos modos de compreensão das mensagens.

Já não é de hoje que se ouve falar do fim do e-mail, eu mesma já tendo embarcado nessa projeção quando recebi uma mensagem de Whatsapp que me avisava “te mandei um e-mail”. Teria inúmeras razões para voltar ao assunto, mas vou ficar no que considero a principal delas: o tempo das emergências. As conversas instantâneas estão inscritas na ilusão de que a toda demanda corresponde uma possibilidade de resposta, o que é evidentemente impossível. Tanto é assim que o Whatsapp já tem uma ferramenta para o usuário marcar mensagens como “não lidas”, um velho recurso da caixa de entrada de e-mail para aquilo que exige mais tempo justo por não ser urgente. E, se não é urgente, não precisaria ter sido enviado por nenhum mecanismo de mensagem instantânea.

A transposição de uma configuração de uso de uma forma de comunicação assíncrona para um meio supostamente em tempo real indica que a emergência do Whatsapp fracassou em sua pretensão de que emissor e receptor possam ser tão automáticos quanto o modo de transmissão. Não será a primeira vez que uma ferramenta instantânea sucumbe à impossibilidade de cumprir o prometido. No entanto, o uso do aplicativo em escala nacional e global me permite pensar o fenômeno da emergência e de seu correlato em sinal invertido, seu descrédito, como parte de uma questão mais ampla.

Trata-se do diagnóstico feito por Pierre Dardot e Christian Laval, em que a lógica gerencial sai do ambiente empresarial e passa a ocupar todas as relações sociais, familiares e afetivas. O que antes era urgente apenas para quem exercia atividades econômicas ligadas a funções essenciais passa a impor seu ritmo de emergência a todas as formas de troca, de maneira que nada fica a salvo desse novo ritmo de produtividade. Responder, monitorar (como nos aplicativos cariocas do tipo “onde tem tiroteio”), gerenciar e demandar são os verbos do tempo em que, como tudo é urgente, perdemos todos a noção do que é de fato uma emergência.

Se antes o meu celular ficava ligado a noite inteira porque minha filha poderia ter uma emergência, hoje preciso deligar o aparelho para que as falsas urgências não interfiram no meu sono. Conto com o bom e velho telefone fixo se ela precisar de mim de madrugada. É um luxo, claro, porque ninguém mais quer um telefone fixo, mas há uma estranha lógica de mercado que faz com que seja mais barato tê-lo no pacote de internet do que não tê-lo. Embora há muito tempo esteja desfeita a separação entre vida online e vida offline – como já observava Leo Manovich há 10 anos – , ainda me parece que o meio pelos quais experimentamos a vida online modificam a maneira como enviamos e recebemos as mensagens.

Com isso, acredito que poderíamos confirmar um diagnóstico recente de que a invasão dos aplicativos combinada à expansão de acesso à rede pelo celular traria o fim do que um dia chamamos de internet. Mais pela maneira com os algoritmos passaram a organizar a conjugação desses quatro verbos fundamentais (responder, monitorar, gerenciar e demandar) do que pela redução da presença dos computadores na experiência da vida online, o fato é que a web não resiste mais à definição de espaço virtual formado por lugares mais ou menos organizados em hyperlinks ou sistemas de busca e mais ou menos livres em navegações aleatórias. McLuhan pode ter exagerado no seu determinismo tecnológico quando publicou O meio é a mensagem. Mas se tomarmos o termo “meio” não mais como canal, passagem ou mediação e o entendermos como o meio ambiente em que habitamos, talvez seja preciso pensar que a nossa maior emergência – sempre fracassada – seja tentar eliminar o caráter aleatório da experiência de jogar e de viver.

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