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Grande Guru,
Estava pensando seriamente em me hospedar numa CTI, oxigênio e desfibrilador à mão, para acompanhar a reta final do Brasileirão tal como se ela se afigurava para o meu Botafogo. As duas últimas derrotas, porém, indicam que o time vai me poupar essa grana. Em compensação, o seu Vasco brilha lá na frente, sem medo de ser feliz. Numa impossibilidade de o alvinegro ser campeão, torcerei pelo cruz-maltino do meu pai.
Quanto a médicos, contudo, acho que dei sorte. Tive aquele pediatra a me acompanhar quase até eu mesmo virar pai. Meu dentista é o mesmo desde que eu era criança, lá no Posto 5, em Copacabana. Depois que descobri que era hipertenso durante um fechamento de jornal (quando e onde mais?), um amigo me indicou um clínico de fé, com quem mantenho ótimas relações há anos. Inclusive porque parte da consulta é dedicada a conversarmos sobre música clássica. Salvo o réquiem do Mozart.
No final de sua última missiva, você tocou num ponto fulcral.
Conforme o tempo passa, novas especialidades médicas precisam ser acrescentadas à agenda do meu celular. E o clínico indica uns colegas porretas. Uso esse adjetivo em homenagem especial ao meu urologista. Certa vez, liguei para ele fora da época do exame anual de PSA e toque retal. Ele atendeu rindo: “Ficou com saudade, foi?” (ler com sotaque baiano, fica ainda mais engraçado). Desse jeito, a gente descontrai, né?
Li há tempos uma crônica do Mario Prata, na qual se descrevia uma ida ao urologista. Ele falava do incômodo da toalha de papel estrategicamente colocada caso o toque na próstata tivesse um efeito fulminante sobre sua libido. “É precaução, alguns pacientes gozam…”, dizia-lhe o médico ou uma enfermeira, já não me lembro bem. Sendo um exemplar do macho latino-americano, Prata ficava angustiado com a possibilidade de ter uma reação física que, supostamente, conspiraria contra a sua masculinidade. No texto, ele usava a angústia para criar um suspense hitchcockiano, sobretudo cockiano, if you know what I mean. Era engraçado pacas, mas ao mesmo tempo era trágico. Quantos brasileiros morrem de um câncer não diagnosticado a tempo por medo de uma dedada profissional, sigilosa, sem fins reprodutivos nem envolvimento emocional?
Há, claro, o extremo oposto, quem precise se libertar em público. Tenho um amigo que é policial civil no interior de Minas Gerais e conta um causo curioso. Era Natal, aquela modorra, um bêbado roncando alto na carceragem, aquela derrota. Eis que entra na delegacia um cara furioso, querendo registrar queixa por atentado violento ao pudor, velha figura jurídica que se traduz, em linguagem bíblica, por sodomia.
O lance era o seguinte. Ele e um colega estavam de plantão na represa que abastece a cidade. Tomaram umas canas, ficaram na maior água e decidiram dar vazão aos seus instintos mais primitivos (não sei por que imaginei agora essa história encarnada por sósias do Roberto Jefferson e do Zé Dirceu) um com o outro. Tiraram no par ou ímpar quem ia servir primeiro o peru de Natal. O denunciante perdeu e gentilmentre franqueou o roscofe ao usufruto do colega de trabalho. Na hora da forra, entretanto, o acusado saiu correndo morro abaixo para não retribuir a gentileza.
Então, ludibriado e ainda meio ébrio, o cidadão dirigiu-se à delegacia a fim de registrar a queixa. Não adiantou os plantonistas explicarem, tentando não rir, que talvez fosse má ideia tornar público o fato, a cidade era pequena, todo mundo sabia da vida de todo mundo, o negócio podia pegar mal… Não teve jeito. O cara ficou irredutível.
Moral da história: não basta ser gay, tem que participar.
Abração,
Arthur
* Na imagem da home que ilustra este post: detalhe da foto Salle d’attente (2007/2008), de Estelle Lagarde