Divulgação/TV Globo

Milton Hatoum em 2001

Edu Simões/Acervo IMS

Milton Hatoum em 2001

Encontro com Dois irmãos

Literatura

09.01.17

Em 2001, um ano depois de ter lançado seu segundo romance, Dois irmãos, Milton Hatoum participou da série O escritor por ele mesmo, promovida pelo Instituto Moreira Salles para destacar a obra de grandes nomes da literatura nacional, como Lygia Fagundes Telles, Silviano Santiago, Carlos Heitor Cony, Moacyr Scliar e Ana Maria Machado, entre muitos outros convidados. Na ocasião, Hatoum leu trechos do primeiro livro, Relato de um certo Oriente (1989, premiado com o Jabuti de melhor romance), e também do igualmente premiado Dois irmãos, que chega às telas da TV Globo nesta segunda-feira, dia 9, na minissérie homônima com texto da roteirista Maria Camargo e direção artística de Luiz Fernando Carvalho.

Serão dez capítulos para reviver o dramático enredo de ódio e conflitos entre os gêmeos Yaqub e Omar (interpretados por Cauã Reymond na fase adulta), idênticos fisicamente, diametralmente opostos no jeito de pensar e encarar a vida, que disputam o amor grandioso, sufocante e bastante desigual da mãe, Zana (Gabriella Mustafá/Juliana Paes/Eliane Giardini). Quem conta a história é Nael (Irandhir Santos), filho da empregada da família, observador atento e personagem importante da trama, que constrói a narrativa de acordo com suas lembranças.

Além da leitura de Dois irmãos, que pode ser ouvida logo abaixo – o projeto chegou ao público em formato de vídeo e/ou CD –, Hatoum falou na ocasião sobre a importância das memórias para a elaboração da narrativa. “Como se sabe, uma personagem não se origina de uma única pessoa que o autor conheceu ou ouviu falar. E mesmo personagens de romances que a gente admira podem colaborar para a construção de uma determinada personagem. E, é claro, alguma coisa íntima de nós mesmos, algo que às vezes não sabemos ou não reconhecemos com nitidez, e que será outra coisa na personagem inventada e no modo de ser construída”, disse o escritor na época, em sua apresentação para o público.

Embora Dois irmãos seja uma das obras menos autobiográficas de Hatoum, como ele mesmo reconhece, a história e seus personagens evocam com maestria todas as cores, cheiros, sons e sabores da Manaus natal do autor, que também aparecem em seus outros romances, Cinzas do Norte (2005) e Órfãos do Eldorado (2008), todos publicados pela Companhia das Letras. Com eles, o escritor compõe um painel primoroso, sob diversos ângulos, da evolução urbana, política e social não apenas de sua cidade e região, como do Brasil.

Hatoum lembra que ainda hoje Dois irmãos é seu livro “mais lido, mais estudado nas escolas e universidades e também o mais traduzido”, ainda que ele não saiba exatamente a explicação.

“O que motivou adaptações para o teatro, HQ e minissérie deve ter algo a ver com a trama, o modo de narrar, os conflitos morais, o sentido histórico e a linguagem. Desde o ano 2000, quando o livro foi publicado, escrevi apenas dois romances. Mas a história narrada por Nael sempre volta, como se fosse um diabo recorrente, o demônio interior que surge nas narrativas de ficção”, observa o escritor. “Hoje, quando penso na minha relação com esse livro, lembro que ele significou um ponto de inflexão na minha vida: abandonei um emprego estável de professor universitário e me mudei para São Paulo. O distanciamento de Manaus me ajudou a escrever esse romance e a me dedicar à literatura”.

Cauã Redmond como os gêmeos Omar e Yaqub em cenas da minissérieDivulgação/TV Globo

Cauã Reymond como os gêmeos Omar e Yaqub em cenas da minissérie

Hatoum, que já teve outra obra adaptada, porém para o cinema – Órfãos do Eldorado, em 2015, pelo diretor Guilherme Coelho –, só tem motivos para celebrar o casamento entre linguagens distintas.

“Acho que um filme e uma minissérie feitos a partir de uma obra literária pode atrair leitores para o audiovisual; no sentido inverso, pode atrair espectadores para a leitura de um romance”, acredita. “Na verdade não se trata de uma mera adaptação, e sim de uma reinvenção, uma recriação que transforma um romance numa outra linguagem. São linguagens muito diferentes, mas guardam um diálogo profundo, às vezes secreto entre si. Esse diálogo pode estimular leitores e espectadores, e convidá-los a refletir sobre literatura e cinema”.

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