Drummond relançado – quatro perguntas a Leandro Sarmatz

Quatro perguntas

12.03.12

 

O jornalista, escritor e poeta Leandro Sarmatz, autor de Uma fome (Record) e Logocausto (Design Editora), foi recentemente incumbido da tarefa de reeditar a obra de Drummond, que será relançada pela Companhia das Letras no dia 14 de março. Para celebrar a nova edição, foram programados diversos eventos e saraus em homenagem ao grande poeta mineiro. Leandro Sarmatz respondeu a quatro perguntas do Blog do IMS sobre Drummond e o trabalho de edição.

Na semana passada, circularam nas redes sociais críticas à condução do relançamento da obra de Drummond, como se o excesso de publicidade acabasse por descaracterizar a obra do poeta. Como você responde a esse tipo de crítica?
Pois é: abri meu Facebook e tomei um susto: o poeta Heitor Ferraz, meu cordial conhecido há um bom tempo, imprecando contra a campanha de lançamento da coleção Carlos Drummond Andrade. E outros poetas “curtindo” etc. Li, discordei, deixei a coisa assim. Deixei quieto. Até porque em certos círculos falar mal de publicidade é chutar cachorro morto, já não traz faísca alguma, não gera pensamento novo. É uma convenção retórica, um soneto mental, uma casa pré-fabricada. É como criticar a TV, ou o videogame, ou o heavy metal ou qualquer outra coisa que não entre no corolário do bom-gosto highbrow. A coisa só ficou feia — e pessoalmente decepcionante, preciso confessar –, quando o Heitor insinuou que a editora promoveria um “desmonte” (palavra dele) da obra do mineiro. Ora, isso é de uma leviandade ímpar. Ele sequer havia visto ainda os livros e sai falando em desmonte! É inacreditável. 

Quanto à campanha, posso assegurar que foi tocada com o maior cuidado: eu mesmo participei das conversas e sempre fiz questão de que não se adotasse uma perspectiva “fofa” (outra acusação). E convenhamos: estamos falando de RECLAME quando temos diante de nós a obra de um dos maiores poetas do século XX, em qualquer idioma literário. A campanha é algo localizado no tempo, serve para fazer um barulho em torno do relançamento. O que fica — o que deve ficar, para além das frankfurtianices azedas destiladas na ferramenta do garoto Zuckerberg — é essa obra que expressa, como quase nenhuma outra, a nossa inteligência e a nossa sensibilidade.

No que consistiu o trabalho de reedição de Drummond, e quais foram as maiores dificuldades?
A editora constituiu um conselho editorial, e é a partir das conversas e sugestões do conselho que nós escolhemos a sequência de livros a serem publicados, os nomes que escreverão os posfácios, que irão estabelecer os textos e assim por diante. Não tenho a alma ensolarada, mas é preciso que se diga que quase não houve dificuldades. Isso que estamos falando de um projeto ambicioso, que compreende quase 50 livros, muitos deles fundamentais para as nossas letras. Mas o entusiasmo de alçar editorialmente a obra de Drummond a novos patamares  contagiou tanto o conselho quanto todas as dezenas de profissionais da editora que estão envolvidos no processo de edição dessa obra fundamental.

Há alguma obra específica de Drummond que, em sua opinião, recebe menos atenção do que deveria?
Tem um livro de versos de 1973, As impurezas do branco, até hoje muito menos estudado do que deveria. Claro que é um livro singular — tem algo do Drummond cronista, comentarista dos acontecimentos banais e grandiosos do seu tempo, um Drummond meio sacana carioca, aquela coisa do comentário jocoso em cima do lance ao mesmo tempo em brinca com a forma do poema –, e isso deve desconcertar muitos leitores finos do itabirano. Mas é um livro que promete gerar ainda muita energia crítica. 

Deixando de lado questões editoriais – a leitura de Drummond foi importante na sua própria formação enquanto poeta?
Fundamental. Central. Meu livrinho Logocausto é todo marcado pela leitura de Drummond, mais do que Celan ou qualquer outro poeta. A rosa do povo foi durante muito tempo (e agora está voltando, graças a todo o trabalho da reedição) aquele tipo de leitura que acontece antes, durante e depois da leitura de outros livros de poesia, romances, ensaios. É uma espécie de adição.

* Na imagem da home que ilustra esse post: o editor e escritor Leandro Sarmatz (imagem divulgação/Milena Botelho)

, , , , , ,