Primeira vista traz prosa ou poesia inédita, criada a partir de fotografias selecionadas no acervo do Instituto Moreira Salles. O autor escreve sem ter informação nenhuma sobre a imagem, contando apenas com o estímulo visual. Neste mês, Débora Ferraz foi convidada a escrever sobre uma foto de Hildegard Rosenthal, tirada em São Paulo por volta de 1940.
![](https://d3otj36sf8mcy4.cloudfront.net/wp-content/uploads/2018/04/800hildegard.jpg)
São Paulo, década de 1940 (Acervo IMS)
Por trás de mim, essa existência parca Vinte e oito anos, um edifício inacabado, andaimes Há a história de mais de cinco séculos, de faixas, dos anos em que não chovia. E não chovia. Não. Então não veio. As paredes descascavam. Ruínas. Solar: três camadas de reboco, caiada, e um portão branco, aberto, balançando ao vento. Não veio (e as orelhas que queimavam, ardiam no topo. As sombras se movem). Entenda: não chovia, (e enxadas se movem ao sol) pois: Atrás de mim, e escondido, claro, à minha sombra: cinco andares (de terra. Enxadas de terra) E não chovia, absolutamente, não veio a chuva. Não vinha De terra esses prédios se construíram. E a construção, a máquina, era um carinho, um alívio em seu osso de argamassa e era um homem: é qualquer homem, magro, cansado do expediente bancário que lhe atravessa a cidade silente, em branco, e à pé, e que não diz lhe arrodeiam bichos. Todos dormem (Passa do horário) Os carros dormem. Os vigias. Os postes. Não veio. Um rio inverte, na contramão, dentro da gente.