Primeira vista traz prosa ou poesia inédita, criada a partir de fotografias selecionadas no acervo do Instituto Moreira Salles. O autor escreve sem ter informação nenhuma sobre a imagem, contando apenas com o estímulo visual. Neste mês, Débora Ferraz foi convidada a escrever sobre uma foto de Hildegard Rosenthal, tirada em São Paulo por volta de 1940.
Hildegard RosenthalSão Paulo, década de 1940 (Acervo IMS)
Por trás de mim, essa existência parca Vinte e oito anos, um edifício inacabado, andaimes Há a história de mais de cinco séculos, de faixas, dos anos em que não chovia. E não chovia. Não. Então não veio. As paredes descascavam. Ruínas. Solar: três camadas de reboco, caiada, e um portão branco, aberto, balançando ao vento. Não veio (e as orelhas que queimavam, ardiam no topo. As sombras se movem). Entenda: não chovia, (e enxadas se movem ao sol) pois: Atrás de mim, e escondido, claro, à minha sombra: cinco andares (de terra. Enxadas de terra) E não chovia, absolutamente, não veio a chuva. Não vinha De terra esses prédios se construíram. E a construção, a máquina, era um carinho, um alívio em seu osso de argamassa e era um homem: é qualquer homem, magro, cansado do expediente bancário que lhe atravessa a cidade silente, em branco, e à pé, e que não diz lhe arrodeiam bichos. Todos dormem (Passa do horário) Os carros dormem. Os vigias. Os postes. Não veio. Um rio inverte, na contramão, dentro da gente.







